Considerando todos estes pressupostos, qual é, na verdade o papel da gordura no exercício? Deverá haver ingestão de gordura no final dos treinos?
Muitos atletas pensam que para alcançarem um corpo tonificado e definido têm de deixar de ingerir gordura. No entanto, e apesar de poder fazer sentido que para perder gordura, seja necessário ingerir menos gordura pela alimentação, a verdade é que esta relação não é assim tão linear.
Isto porque os hidratos de carbono, quando consumidos em excesso, também podem ser armazenados sob a forma de gordura.
Além disso, sabe-se que após o treino o organismo torna-se mais sensível aos nutrientes e, como tal, a absorção dos mesmos é mais eficaz. Por outro lado, sabe-se ainda que a gordura é um macronutriente que atrasa a absorção de outros, nomeadamente da proteína.
Vejamos.
Importância da gordura para atletas
Antigamente, os atletas evitavam qualquer tipo de gordura com objetivo de alcançar maior definição muscular e evitar o aumento da percentagem de massa gorda.
No entanto, atualmente, é unânime que uma ingestão de gordura nas proporções adequadas, é crucial para atletas, tanto profissionais como recreativos, pois este nutriente ajuda à produção de hormonas, como a testosterona, à absorção de vitaminas lipossolúveis, auxilia o organismo na recuperação após o treino e pode facilitar o aumento de massa muscular.
Como tal, a gordura deverá contribuir com cerca de 30% do valor energético total diário de quem pratica exercício.
Tipos de gordura
No entanto, e apesar da ingestão de gordura ser muito importante para a saúde, importa salientar que a escolha do tipo de gordura é um ponto essencial.
A preferência deverá recair sobre as gorduras insaturadas (mono e polinsaturadas), as quais têm um efeito protetor e promotor da saúde, em detrimento das saturadas e das hidrogenadas, que promovem o aumento do colesterol LDL (mau) e potenciam o surgimento de doenças cardiovasculares.
A gordura saturada está presente em alimentos como “carnes gordas”, pele de aves, lacticínios gordos, enchidos, entre outros, enquanto a hidrogenada está incluída em margarinas, produtos processados e de pastelaria.
Já alimentos ricos em gorduras monoinsaturadas incluem: azeite e azeitonas, abacate e frutos secos (amêndoas, avelãs, nozes).
Por último, os alimentos ricos em gorduras polinsaturadas incluem: peixes gordos (salmão, cavala, sardinha), frutos secos oleaginosos, sementes de abóbora, linhaça e de girassol e óleos vegetais (milho, soja, girassol).
Ingestão de gordura no final dos treinos: sim ou não?
Contudo, e apesar da importância da ingestão de gordura no exercício, existem dois momentos no dia em que a sua ingestão não é tão favorável ao rendimento desportivo: no pré e pós-treino.
Isto porque, como já referido anteriormente, a gordura é um nutriente de digestão lenta e difícil, o que, por um lado, atrasa a digestão e absorção de outros nutrientes importantes para o aumento da massa muscular, como a proteína, e, por outro lado, pode condicionar o rendimento quando ingerido antes do treino, devido à sua menor digestibilidade.
Além disso, sendo o pós treino um período em que se pretende aproveitar a maior sensibilidade do organismo para a absorção de nutrientes e restabelecimento das reservas, a ingestão de gordura, em quantidades significativas, condiciona este processo, privilegiando a absorção deste nutriente em prol dos restantes.
No entanto, a evidência científica mais recente mostra que este efeito da gordura no atraso da absorção dos outros macronutrientes, nomeadamente a proteína, pode não ser assim tão importante, não impactando de forma significativa o aumento e reparação da massa muscular e o restabelecimento das reservas de glicogénio.
Neste sentido, e desde que a refeição pré-treino seja rica em hidratos de carbono e proteína e desde que haja uma ingestão proteica fracionada ao longo do dia (sensivelmente de 3 em 3h), pode também ingerir uma porção moderada de gordura depois do exercício, em particular gorduras insaturadas, que têm um efeito anti-inflamatório importante para a recuperação pós treino e desenvolvimento muscular após o mesmo.
Ómega-3
Dentro das gorduras a ingerir neste período, é imperativo salientar os ácidos gordos ómega-3, pois além de toda a vertente clínica, eles promovem adaptações positivas ao exercício, facilitam a recuperação e minimizam as dores musculares (contrariando a inflamação gerada pelo exercício e pelas micro lesões musculares).
Além disso, os ácidos gordos ómega-3 também poderão desempenhar um papel importante nos processos anabólicos mediados por hormonas, nomeadamente no aumento da sensibilidade do músculo à insulina, uma hormona promotora da síntese proteica.
Nos ómega-3 podemos distinguir 3 ácidos gordos diferentes: EPA e DHA, presentes nos alimentos de origem animal, em particular peixes gordos, e ALA, presente em alimentos de origem vegetal como a sementes e frutos oleaginosos.
Assim, a ingestão deste tipo de gordura no exercício poderá ser conseguida através das fontes alimentares já referidas ou de suplementação.
Em suma, os ómega-3 assumem, portanto, uma função de optimizadores metabólicos, potenciando a própria resposta do músculo aos estímulos, mecânicos e hormonais, o que se traduz numa melhor composição corporal a longo prazo.