A condescendência mexe-me com as entranhas. Noto que tanto os profissionais de saúde como o resto do mundo tratam as grávidas com uma generosa dose de condescendência. É difícil encontrar alguém que esteja, de facto, a ouvir-nos sem revirar os olhos internamente às nossas preocupações, sem estar desejoso de saltar para frente da conversa com a sua lista de opiniões ou sem largar um qualquer ataque dissimulado como “gostava de te ver, como eu, nos últimos dias, a carregar gigas à cabeça” (a sério, para quê?).
Falam-nos de uma forma infantil, como se fôssemos incapazes e tivéssemos perdido o discernimento. Ora estão a dizer-te que tens que comer muitos legumes e fruta porque tens que te alimentar bem, como logo de seguida insistem que comas a quinta fatia de bolo de chocolate porque não podes ficar com desejos. Uma amostra no que diz respeito à grávida porque, quando se trata do bebé, parece que ele é de toda a gente menos teu. Os nomes carinhosos que lhe queres atribuir, a forma como sentes a gravidez ou como acaricias a barriga estão errados aos olhos de todos.
Às quinze semanas, os bebés ainda não dão sinal de vida e se não têm nem azia, nem enjoos, nem qualquer sintoma além de uma cólica menstrual, não há muito a dizer. Quando me perguntam como está o Pedrinho, sorridente, a minha resposta é qualquer coisa como “Fui vê-lo ontem e está vivo!”. “Ai, Jesus! Isso diz-se?”, oiço. Como posso estar com as minhas faculdades um pouco em baixo, fico a achar que disse o inverso ou algo como “está vivo, que grande merda, já viste a minha vida?”. Pelos vistos, estar vivo não é o oposto de estar morto e as pessoas inquietam-se na mesma medida.
Na minha família, gostamos de nomes diferentes, não há “fofinhas”, “princesas” ou “moranguinhos”, é mais “minhoca”, “besourinho”, “salsicha” e, a minha preferida dos últimos tempos, “trambolhinho”. Ora, pelos vistos, não posso tratar o Pedrinho por “trambolhinho” porque as pessoas ofendem-se.
Também não posso dizer que não me sinto particularmente especial por estar grávida, que os recém-nascidos são, na sua maioria, feios (o meu incluído, a diferença é que eu não vou ser capaz de ver mas não tenho ilusões!) ou que não, ainda não sinto que é tudo mágico nem oiço sinos e anjos a cantar-me ao ouvido. As pessoas ofendem-se, pior!, recriminam-me e, por muito que me queira abstrair, há uma culpa que não é minha que se quer instalar aqui dentro. Desnecessário, pessoas.
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