Raquel Gomes
Raquel Gomes
25 Ago, 2024 - 20:00

O chá ajuda na digestão? Saiba o que diz a evidência

Raquel Gomes

A sabedoria popular diz-nos que um chá pode ajudar a aliviar os sintomas da má digestão? Será que é mesmo assim?

Chá na digestão

Vários benefícios têm sido atribuídos ao chá, nomeadamente os possíveis efeitos benéficos a nível da digestão. Mas será que estas são afirmações verdadeiras? Quais são os efeitos do chá na digestão? Saiba tudo neste artigo.

Chá, infusões e tisanas

bebidas anti-inflamatórias com mel e açafrão

Existe alguma confusão quando se fala de chá, infusões e tisanas. São termos usados, muitas vezes, como sinónimos, mas não o são.

O chá é produzido apenas a partir de plantas do género Camellia; existem apenas quatro tipos de chá: preto, oolong, verde e branco que variam essencialmente na sua fermentação e teor de antioxidantes.

Ou seja, o termo “chá” apenas pode ser utilizado para estes quatro tipos. As infusões, por sua vez, são o resultado da ação da água a ferver sobre algumas partes de plantas (ex.: folhas, caules) sendo posteriormente coadas. Podem ser usadas várias plantas e, dependendo da espécie usada, podem ter diferentes ações no organismo.

Já as tisanas obtêm-se pela cocção de plantas seguida de filtração. Assim, considerando uma mesma planta, a tisana é mais forte, aromatizada e terá mais princípios ativos que a infusão.

Benefícios associados ao chá

De forma geral, os chás são constituídos por polifenóis, cafeína, minerais e quantidades residuais de vitaminas, proteínas e hidratos de carbono.

O tipo de polifenóis varia entre os chás dependendo do tipo de fermentação: por exemplo, as catequinas estão em maior concentração no chá verde, enquanto os taninos estão mais presentes no chá preto (1).

A evidência científica parece comprovar um efeito positivo do chá na perda de peso. Sendo que os estudos que envolveram o chá verde apresentam resultados superiores.

As meta-análises sugerem a existência de um efeito sinérgico entre a cafeína e as catequinas uma vez que estes compostos isolados não apresentam os mesmos efeitos.

Contudo, alguns estudos mostraram resultados negativos e, portanto, contraditórios aos que acabaram de ser apresentados. A razão desta inconsistência de resultados ainda não é conhecida mas pensa-se que haja uma influência considerável da etnia dos participantes (2).

Para além dos possíveis efeitos positivos no processo de perda de peso, o chá também parece exercer efeitos positivos contra o stress oxidativo e doenças neurodegenerativas (3).

Efeitos do chá na digestão

Mulher a beber chá para aliviar a digestão

Avaliar os efeitos de um chá ou de qualquer alimento na digestão pode ser traiçoeiro uma vez que são muitas vezes usados sintomas subjetivos como medida.

Sintomas como a azia, náuseas, diarreia, vómitos, inchaço abdominal e a flatulência podem ser originados por uma má digestão. Frequentemente, a sabedoria popular leva as pessoas a consumir chá para atenuar estes sintomas.

Nestas situações, o chá parece trazer conforto e aliviar, mas será que a evidência suporta esta ideia popular?

Os efeitos do chá (e aqui fala-se apenas dos quatro tipos efetivos de chá mencionados no início deste artigo) na digestão foram apenas estudados em modelos animais e in vitro. Por exemplo, o chá preto promove o transito intestinal em ratos e também parece reverter a disbiose induzida por antibióticos (5).

Efetivamente, os resultados são, de forma geral, limitados para os quatro tipos de chá. Assim, parece ainda não haver evidência forte e segura o suficiente que permita afirmar que o chá preto, branco, verde e oolong possam ajudar na digestão.

Contudo, existem infusões com potenciais efeitos digestivos com alguma evidência científica.

É importante relembrar que estas infusões podem ser feitas a partir de qualquer planta (e de partes diversas desde as folhas até aos caules e raízes). Por este motivo, seria muito difícil enumerar todas as potenciais plantas e respetivas infusões que pudessem ter potencial para ajudar na digestão. No entanto, seguem-se alguns exemplos:

1

Infusão de Alcachofra

Tradicionalmente usada como digestivo, também pode estimular o apetite, aliviar náuseas, dores de estômago, flatulência e sensação de enfartamento (6, 7).

2

Infusão de dente-de-leão

As raízes e folhas do dente-de-leão são comummente usadas para o tratamento de azia (6).

3

Infusão de limão

É sabido que tanto o aroma quanto o sabor do limão influenciam a fase cefálica da digestão que é responsável por cerca de um quinto (1/5) da secreção. Isto é, ainda antes do alimento chegar ao estômago os estímulos psicológicos como a expectativa da refeição ou o seu aroma iniciam a secreção gástrica (6). Contudo, se sofrer de refluxo gástrico esta não deverá ser uma opção (8).

4

Infusão de funcho

A infusão de funcho e das suas sementes (erva-doce) parece melhorar a digestão (nomeadamente sintomas de distensão abdominal e flatulência) em crianças (9). Também as misturas de funcho, cidreira e camomila podem contribuir positivamente para o alívio destes sintomas (6).

5

Infusão de hortelã-pimenta

Muito conhecida pela sua função antiemética (diminuição do vómito) e digestiva. Esta infusão é capaz de relaxar o músculo liso do sistema gastrointestinal, efeito que parece ser causado pela ligação (ainda que parcial) aos recetores de serotonina (6, 10).

6

Infusão de gengibre

Para além das suas funções anti-inflamatórias e antioxidantes o gengibre pode auxiliar no processo de digestão, tornando-a mais rápida (o gengibre aumenta ligeiramente o metabolismo).

Para além disso, tem um mecanismo semelhante ao que foi apresentado anteriormente para a infusão de hortelã-pimenta. Assim, a infusão de gengibre parece ter um efeito antiemético, melhorar sintomas de azia, refluxo e flatulência

O que ter em consideração?

Médico a ver diagnóstico

Como foi referido anteriormente, avaliar a eficácia de uma infusão na melhoria da digestão pode ser difícil uma vez que os sintomas são subjetivos.

Os estudos que abordam os efeitos dos chás e infusões na digestão são pequenos, pouco controlados e muitas vezes com populações restritas.

Se tiver recorrentemente sintomas de indigestão não desvalorize e consulte o seu médico.

Existem terapêuticas que podem ser mais seguras e efetivas do que o famoso “chá”. Para além disso, é difícil aferir as concentrações dos compostos na infusão e o teor destas pode não ser fácil de controlar.

Não se deve ainda desconsiderar os possíveis efeitos sinérgicos entre estas infusões e fármacos, pelo que deverá ter cuidado se estiver a fazer uma terapêutica medicamentosa.

De forma geral, o chá e as infusões ou tisanas podem ser ingeridas havendo de facto determinadas plantas que parecem favorecer mais a digestão que outras.

Contraindicações do chá

Existem, contudo, algumas contraindicações, isto é, nem toda a gente deve consumir chá de forma liberal. Pacientes que sofram de doenças cardiovasculares devem evitar tomar chá. Grávidas e lactantes não devem consumir mais de uma a duas chávenas por dia.

Existe ainda evidência crescente de que o chá preto possa diminuir a biodisponibilidade de ferro não-heme. Por este motivo, pessoas que sigam uma dieta à base de produtos vegetais e tenham deficiências nutricionais em ferro beneficiam em moderar o consumo de chá preto.

Deve ser ainda mencionado o perigo de alguns suplementos à base de chá (por exemplo, cápsulas de chá verde): nem todos são seguros e pode haver perigo de hepatoxicidade (4).

Fontes

  1. Wierzejska R (2014) Tea and health–a review of the current state of knowledge. Przeglad epidemiologiczny 68, 501-506, 595-509. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25391016/
  2. Rothenberg DO, Zhou C, Zhang L (2018) A Review on the Weight-Loss Effects of Oxidized Tea Polyphenols. Molecules (Basel, Switzerland) 23. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29758009/
  3. Prasanth MI, Sivamaruthi BS, Chaiyasut C et al. (2019) A Review of the Role of Green Tea (Camellia sinensis) in Antiphotoaging, Stress Resistance, Neuroprotection, and Autophagy. Nutrients 11. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30813433/
  4. Hayat K, Iqbal H, Malik U et al. (2015) Tea and its consumption: benefits and risks. Critical reviews in food science and nutrition 55, 939-954. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24915350/
  5. Gong ZP, Ouyang J, Wu XL et al. (2020) Dark tea extracts: Chemical constituents and modulatory effect on gastrointestinal function. Biomedicine & pharmacotherapy = Biomedecine & pharmacotherapie 130, 110514. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32707438/
  6. Valussi M (2012) Functional foods with digestion-enhancing properties. International journal of food sciences and nutrition 63 Suppl 1, 82-89. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22010973/
  7. Ben Salem M, Affes H, Ksouda K et al. (2015) Pharmacological Studies of Artichoke Leaf Extract and Their Health Benefits. Plant foods for human nutrition (Dordrecht, Netherlands) 70, 441-453. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26310198/
  8. Kubo A, Block G, Quesenberry CP, Jr. et al. (2014) Dietary guideline adherence for gastroesophageal reflux disease. BMC gastroenterology 14, 144. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25125219/
  9. Anheyer D, Frawley J, Koch AK et al. (2017) Herbal Medicines for Gastrointestinal Disorders in Children and Adolescents: A Systematic Review. Pediatrics 139. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28562281/
  10. McKay DL, Blumberg JB (2006) A review of the bioactivity and potential health benefits of peppermint tea (Mentha piperita L.). Phytotherapy research : PTR 20, 619-633. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16767798/
Veja também

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