Vários benefícios têm sido atribuídos ao chá, nomeadamente os possíveis efeitos benéficos a nível da digestão. Mas será que estas são afirmações verdadeiras? Quais são os efeitos do chá na digestão? Saiba tudo neste artigo.
Chá, infusões e tisanas
Existe alguma confusão quando se fala de chá, infusões e tisanas. São termos usados, muitas vezes, como sinónimos, mas não o são.
O chá é produzido apenas a partir de plantas do género Camellia; existem apenas quatro tipos de chá: preto, oolong, verde e branco que variam essencialmente na sua fermentação e teor de antioxidantes.
Ou seja, o termo “chá” apenas pode ser utilizado para estes quatro tipos. As infusões, por sua vez, são o resultado da ação da água a ferver sobre algumas partes de plantas (ex.: folhas, caules) sendo posteriormente coadas. Podem ser usadas várias plantas e, dependendo da espécie usada, podem ter diferentes ações no organismo.
Já as tisanas obtêm-se pela cocção de plantas seguida de filtração. Assim, considerando uma mesma planta, a tisana é mais forte, aromatizada e terá mais princípios ativos que a infusão.
Benefícios associados ao chá
De forma geral, os chás são constituídos por polifenóis, cafeína, minerais e quantidades residuais de vitaminas, proteínas e hidratos de carbono.
O tipo de polifenóis varia entre os chás dependendo do tipo de fermentação: por exemplo, as catequinas estão em maior concentração no chá verde, enquanto os taninos estão mais presentes no chá preto (1).
A evidência científica parece comprovar um efeito positivo do chá na perda de peso. Sendo que os estudos que envolveram o chá verde apresentam resultados superiores.
As meta-análises sugerem a existência de um efeito sinérgico entre a cafeína e as catequinas uma vez que estes compostos isolados não apresentam os mesmos efeitos.
Contudo, alguns estudos mostraram resultados negativos e, portanto, contraditórios aos que acabaram de ser apresentados. A razão desta inconsistência de resultados ainda não é conhecida mas pensa-se que haja uma influência considerável da etnia dos participantes (2).
Para além dos possíveis efeitos positivos no processo de perda de peso, o chá também parece exercer efeitos positivos contra o stress oxidativo e doenças neurodegenerativas (3).
Efeitos do chá na digestão
Avaliar os efeitos de um chá ou de qualquer alimento na digestão pode ser traiçoeiro uma vez que são muitas vezes usados sintomas subjetivos como medida.
Sintomas como a azia, náuseas, diarreia, vómitos, inchaço abdominal e a flatulência podem ser originados por uma má digestão. Frequentemente, a sabedoria popular leva as pessoas a consumir chá para atenuar estes sintomas.
Nestas situações, o chá parece trazer conforto e aliviar, mas será que a evidência suporta esta ideia popular?
Os efeitos do chá (e aqui fala-se apenas dos quatro tipos efetivos de chá mencionados no início deste artigo) na digestão foram apenas estudados em modelos animais e in vitro. Por exemplo, o chá preto promove o transito intestinal em ratos e também parece reverter a disbiose induzida por antibióticos (5).
Efetivamente, os resultados são, de forma geral, limitados para os quatro tipos de chá. Assim, parece ainda não haver evidência forte e segura o suficiente que permita afirmar que o chá preto, branco, verde e oolong possam ajudar na digestão.
Contudo, existem infusões com potenciais efeitos digestivos com alguma evidência científica.
É importante relembrar que estas infusões podem ser feitas a partir de qualquer planta (e de partes diversas desde as folhas até aos caules e raízes). Por este motivo, seria muito difícil enumerar todas as potenciais plantas e respetivas infusões que pudessem ter potencial para ajudar na digestão. No entanto, seguem-se alguns exemplos:
Infusão de Alcachofra
Tradicionalmente usada como digestivo, também pode estimular o apetite, aliviar náuseas, dores de estômago, flatulência e sensação de enfartamento (6, 7).
Infusão de dente-de-leão
As raízes e folhas do dente-de-leão são comummente usadas para o tratamento de azia (6).
Infusão de limão
É sabido que tanto o aroma quanto o sabor do limão influenciam a fase cefálica da digestão que é responsável por cerca de um quinto (1/5) da secreção. Isto é, ainda antes do alimento chegar ao estômago os estímulos psicológicos como a expectativa da refeição ou o seu aroma iniciam a secreção gástrica (6). Contudo, se sofrer de refluxo gástrico esta não deverá ser uma opção (8).
Infusão de funcho
A infusão de funcho e das suas sementes (erva-doce) parece melhorar a digestão (nomeadamente sintomas de distensão abdominal e flatulência) em crianças (9). Também as misturas de funcho, cidreira e camomila podem contribuir positivamente para o alívio destes sintomas (6).
Infusão de hortelã-pimenta
Muito conhecida pela sua função antiemética (diminuição do vómito) e digestiva. Esta infusão é capaz de relaxar o músculo liso do sistema gastrointestinal, efeito que parece ser causado pela ligação (ainda que parcial) aos recetores de serotonina (6, 10).
Infusão de gengibre
Para além das suas funções anti-inflamatórias e antioxidantes o gengibre pode auxiliar no processo de digestão, tornando-a mais rápida (o gengibre aumenta ligeiramente o metabolismo).
Para além disso, tem um mecanismo semelhante ao que foi apresentado anteriormente para a infusão de hortelã-pimenta. Assim, a infusão de gengibre parece ter um efeito antiemético, melhorar sintomas de azia, refluxo e flatulência
O que ter em consideração?
Como foi referido anteriormente, avaliar a eficácia de uma infusão na melhoria da digestão pode ser difícil uma vez que os sintomas são subjetivos.
Os estudos que abordam os efeitos dos chás e infusões na digestão são pequenos, pouco controlados e muitas vezes com populações restritas.
Se tiver recorrentemente sintomas de indigestão não desvalorize e consulte o seu médico.
Existem terapêuticas que podem ser mais seguras e efetivas do que o famoso “chá”. Para além disso, é difícil aferir as concentrações dos compostos na infusão e o teor destas pode não ser fácil de controlar.
Não se deve ainda desconsiderar os possíveis efeitos sinérgicos entre estas infusões e fármacos, pelo que deverá ter cuidado se estiver a fazer uma terapêutica medicamentosa.
De forma geral, o chá e as infusões ou tisanas podem ser ingeridas havendo de facto determinadas plantas que parecem favorecer mais a digestão que outras.
Contraindicações do chá
Existem, contudo, algumas contraindicações, isto é, nem toda a gente deve consumir chá de forma liberal. Pacientes que sofram de doenças cardiovasculares devem evitar tomar chá. Grávidas e lactantes não devem consumir mais de uma a duas chávenas por dia.
Existe ainda evidência crescente de que o chá preto possa diminuir a biodisponibilidade de ferro não-heme. Por este motivo, pessoas que sigam uma dieta à base de produtos vegetais e tenham deficiências nutricionais em ferro beneficiam em moderar o consumo de chá preto.
Deve ser ainda mencionado o perigo de alguns suplementos à base de chá (por exemplo, cápsulas de chá verde): nem todos são seguros e pode haver perigo de hepatoxicidade (4).
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