Drª Andreia Amado
Drª Andreia Amado
20 Jan, 2021 - 09:10

COVID-19 e a baixa prevalência em crianças: o segredo do sistema imunitário

Drª Andreia Amado

A prevalência da COVID-19 nas crianças é mais baixa do que nos adultos e deve-se aos mecanismos envolvidos na resposta à infeção.

COVID-19 e crianças

Sabemos que crianças de todas as faixas etárias podem ser infetadas pelo coronavírus. Sobre a COVID-19 nas crianças, dados mundiais apontam para uma prevalência de até 13% dos casos confirmados pelo laboratório (1, 2).

Na verdade, estudos demonstram que crianças com menos de 14 anos são afetadas menos frequentemente do que os adultos, sendo que 95% dos casos variam entre assintomáticos a padrões clínicos leves a moderados (1, 3).

COVID-19 nas crianças: porque é que a infeção é menos prevalente nesta faixa etária?

Crianças numa aula com máscaras

Sabemos que as crianças estão mais predispostas a infeções respiratórias víricas. O porquê de a COVID-19 ser menos prevalente e menos grave nas crianças ainda não é conhecido.

As hipóteses não são lineares e são alvo de discussão a nível mundial. Os estudos mais representativos apontam alguma variabilidade na suscetibilidade à infeção e na resposta inflamatória contra o novo coronavírus.

Razões para as crianças serem menos suscetíveis à COVID-19

1

Mecanismo molecular distinto

Alguns autores colocam como hipótese a existência de um mecanismo molecular que torna as crianças menos suscetíveis à infeção.

A patogénese deste vírus depende da interação entre uma proteína do mesmo e recetores celulares específicos de uma enzima (ACE2), localizada no trato respiratório, cujo maturação ainda não se encontra totalmente desenvolvida na infância.

A função dos recetores desta enzima está diminuída, tornando as crianças menos suscetíveis ao SARS-CoV-2 (4, 5).

2

Resposta imune menos intensa

A criança parece, então, ter uma resposta imune menos intensa ao vírus comparativamente aos adultos, o que pode explicar a menor prevalência de doença severa e a sua proteção contra um padrão clínico infecioso mais agressivo.

Menina em sala de aula a desinfetar as mãos
3

Menor carga viral nas vias aéreas

A partir deste pressuposto, foi, ainda, demonstrado que existe uma menor carga viral no trato respiratório das crianças devido não só à expressão diferente de recetores do coronavírus pelo sistema imunitário ainda em desenvolvimento, mas também devido a um maior número de anticorpos pré-existentes de outras infeções víricas e vasos sanguíneos mais saudáveis comparativamente a outras faixas etárias (5).

4

Resposta mais rápida na replicação do vírus

Outra hipótese conduzida por uma imunologista australiana e corroborado por um estudo espanhol baseia-se no desenvolvimento de uma resposta muito rápida que bloqueia a replicação do vírus, levando a que este não seja detetado na zaragatoa nasofaríngea.

No entanto, as crianças, principalmente se não apresentarem sintomas, não são testadas tão frequentemente como os adultos, podendo ser especulativa a prevalência exata de casos positivos (3).

Qual a principal fonte de infeção nas crianças?

Mãe e filho a fazer atividades lúdicas em casa

A principal fonte de infeção pelo coronavírus nas crianças é maioritariamente o contacto familiar em 85% dos casos.

Nesta faixa etária, mesmo não apresentando sintomas, podem ser transmissoras e contribuir para a propagação “invisível” da COVID-19.

As crianças assintomáticas podem transmitir o vírus? E qual é o risco?

Ainda há pouca informação no que diz respeito à transmissibilidade do vírus através de crianças puramente assintomáticas.

No entanto, são reportados diariamente casos de transmissão interpessoal através de crianças assintomáticas, não só em casa, como também, fora do núcleo familiar (6).

Torna-se, por isso, fundamental, perceber o papel e a importância que as crianças assintomáticas desempenham como vetores do vírus.

A base biológica da propagação é determinada pelos níveis e duração da carga viral no trato respiratório dos casos assintomáticos. Contudo, a propagação do vírus a partir de doentes assintomáticos e a sua contribuição para o desenvolvimento da pandemia é incerta.

Porém, o risco de transmissão da doença parece ser menor comparando com crianças que apresentem sintomas. De facto, o risco parece ser aproximadamente 3 vezes menor, de acordo com investigações realizadas na Ásia e América do Norte (2, 4).

E, portanto, alguns autores defendem que as crianças não detêm um papel assim tão importante na propagação do vírus.

COVID-19 nas crianças: quais são os sintomas mais frequentes?

Mãe a medir febre à filha

Normalmente, os sintomas, se existirem, são mais leves e menos frequentes comparativamente aos adultos e podem não ser detetados antes do diagnóstico.

Através de estudos observacionais que incluíram doentes dos países com maior número de casos de COVID-19 (Itália, China, Estados Unidos), os seus dados apontam para a afetação, de forma semelhante, dos géneros feminino e masculino, sendo que a idade média de diagnóstico foi de 7,6 anos.

Na grande maioria, as crianças sintomáticas apresentam sintomas semelhantes a uma constipação ou gripe (2, 3, 7). Apesar da diversidade de sintomas, os mais frequentes incluem febre (geralmente inferior a 39ºC), calafrios e tosse [3].

Podem existir outros sintomas e confundir o diagnóstico?

Mialgias, cefaleias, vómitos e diarreia também podem estar presentes, com alguma frequência, e ser confundidos com outros diagnósticos clínicos nomeadamente gastroenterite aguda.

Os sintomas gastrointestinais, quando presentes, geralmente antecipam o padrão típico respiratório (dor de garganta, tosse seca e dificuldade em respirar).

A deteção viral no trato gastrointestinal demonstrou que o vírus pode ser persistente e permanecer detetável durante semanas apesar da zaragatoa nasofaríngea revelar um teste negativo (8).

As manifestações cutâneas são raras e mal caracterizadas e podem apresentar-se como erupções vesiculares, urticária e nódulos avermelhados nas extremidades (dedos das mãos e pés).

Crianças e teste COVID-19

E quando podem recuperar?

Nos casos leves a moderados, a recuperação é alcançada dentro de 1 a 2 semanas. Porém, sintomas como fadiga, dores musculares ou tosse podem ser prolongados no tempo e persistir durante algumas semanas.

As crianças podem agravar os sintomas e desenvolverem formas graves da doença?

Relativamente aos casos de agravamento clínico com insuficiência respiratória severa, esta forma grave de infeção pelo coronavírus pode ocorrer alguns dias após o início dos sintomas.

A maior parte dos estudos, refere poder ocorrer em média 1 semana após o início dos sintomas, apesar de relatados casos de deterioração da situação clínica em até 14 dias.

E quais são os fatores de risco que podem desencadear uma maior gravidade da infeção pelo novo coronavírus?

Criança com asma a utilizar o inalador

Cerca de 2,7% das crianças têm doença severa ou crítica, sendo esta incidência mais elevada naquelas com patologias médicas já pré-existentes (destacando as principais nomeadamente a obesidade, a diabetes mellitus, a insuficiência cardíaca/pulmonar crónica, a asma, a imunodepressão, as doenças oncológicas ou as doenças genéticas congénitas severas) (9, 10).

Estas doenças podem estar associadas a um potencial risco de doença grave que necessite de hospitalização, ainda que a evidência clínica que suporta esta associação é limitada e inconsistente.

A verdade é que apenas 22% das crianças infetadas, tinham pelo menos uma das patologias acima mencionadas (10). Apesar de estas terem em comum o enfraquecimento e a, consequente, supressão do sistema imunitário, a associação entre este e a doença grave não está bem estabelecido.

Há evidência que a taxa de mortalidade nas crianças é menor, mas dada a informação limitada nesta população, é muito difícil revelar o número correto.

Atualmente, serão necessários mais estudos epidemiológicos e clínicos que nos permitam identificar e compreender as possíveis implicações da infeção COVID-19 nas crianças.

Fontes

  1. Posfay Barbe, C., et al., COVID-19 in Children and the Dynamics of Infection in Families. Pediatrics, 2020: p. e20201576. Disponível em: https://pediatrics.aappublications.org/content/146/2/e20201576
  2. Sisk, B., et al., National trends of cases of COVID-19 in children based on US state health department data. Pediatrics, 2020. 146(6). Disponível em: https://pediatrics.aappublications.org/content/146/6/e2020027425
  3. Chang, T.-H., J.-L. Wu, and L.-Y. Chang, Clinical characteristics and diagnostic challenges of pediatric COVID-19: A systematic review and meta-analysis. Journal of the Formosan Medical Association, 2020. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7161491/
  4. Xu, X., et al., Evolution of the novel coronavirus from the ongoing Wuhan outbreak and modeling of its spike protein for risk of human transmission. Science China Life Sciences, 2020. 63(3): p. 457-460. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32009228/
  5. Muus, C., et al., Integrated analyses of single-cell atlases reveal age, gender, and smoking status associations with cell type-specific expression of mediators of SARS-CoV-2 viral entry and highlights inflammatory programs in putative target cells. BioRxiv, 2020. Disponível em: https://www.biorxiv.org/content/10.1101/2020.04.19.049254v1
  6. Pan, X., et al., Asymptomatic cases in a family cluster with SARS-CoV-2 infection. The Lancet Infectious Diseases, 2020. 20(4): p. 410-411. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/laninf/article/PIIS1473-3099(20)30114-6/fulltext
  7. Castagnoli, R., et al., Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2) infection in children and adolescents: a systematic review. JAMA pediatrics, 2020. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32320004/
  8. Meena, J., et al., Clinical features and outcome of SARS-CoV-2 infection in children: A systematic review and meta-analysis. Indian Pediatrics, 2020. 57(9): p. 820-826. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32583808/
  9. Oualha, M., et al., Severe and fatal forms of COVID-19 in children. Archives de Pédiatrie, 2020. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0929693X20301172
  10. Storch-de-Gracia, P., et al., Clinical spectrum and risk factors for complicated disease course in children admitted with SARS-CoV-2 infection. Anales de Pediatría (English Edition), 2020. 93(5): p. 323-333. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33083499/
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