Sobre se os ovos aumentam o colesterol, importa antes de mais dizer que, em ciência, é extremamente difícil fazer afirmações sem qualquer dúvida inerente.
Fazer ensaios clínicos (duplamente cegos e randomizados) para avaliar o efeito isolado de um alimento durante longos períodos de tempo é inviável: primeiro porque não seria ético submeter alguém a ingerir um alimento que se possa achar causar doença; em segundo porque um alimento não pode ser dado na forma de uma cápsula.
Efetivamente seria o ideal mas, visto que não está ao nosso alcance, temos de nos guiar por outra evidência. Atualmente, temos alguns estudos clínicos feitos com as condições possíveis e um corpo crescente de estudos observacionais prospetivos que nos indicam associações entre o consumo e um determinado efeito (repetimos, associações, e não uma relação de causalidade).
Será que os ovos aumentam o colesterol?
![Taça com ovos](https://cdn.vidaativa.pt/uploads/2018/01/tipos-de-ovos.jpg)
É muito frequente ouvir alguém a dizer que não come ovos (ou, em especial as gemas) porque tem o colesterol “mau muito alto”.
Aquilo que é chamado no dia a dia de “colesterol mau” é o colesterol LDL e o chamado “colesterol bom” é o HDL.
Ovo | Colesterol |
pequeno (50g) | 186 mg |
médio (58g) | 200 mg |
Estima-se que um ovo de 50g (classificado como pequeno) tenha cerca de 186mg de colesterol alimentar; como comparação, um ovo médio pesa, aproximadamente, 58g e contém cerca de 200mg de colesterol.
Sabe-se hoje que o consumo de ovos causa um aumento muito pequeno no colesterol total, no LDL e no HDL, mas não no rácio entre os dois tipos de colesterol.
O que é que isto quer dizer? Que pode aumentar ligeiramente o LDL, mas aumenta na mesma medida o HDL (o bom colesterol).
Como foi referido, são aumentos muito pequenos e sem grande relevância clínica. Hoje sabemos também que a absorção do colesterol alimentar é extremamente variável podendo ir dos 15% aos 85%.
Além disso, estima-se que apenas 30% da população responda de forma expressiva à ingestão de colesterol alimentar e isto depende de variadíssimos fatores como a etnia, estado nutricional, alguns polimorfismos genéticos e o IMC.
Vale ainda sublinhar que, quando se compara os efeitos do colesterol alimentar com o efeito dos ácidos gordos saturados/trans no colesterol plasmático total, os últimos provocam aumentos muito mais marcados. Assim, conclui-se desde já que os ovos não aumentam de forma apreciável o colesterol plasmático.
Doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e hipertensão
![Mulher a fazer refeição com ovo](https://cdn.vidaativa.pt/uploads/2020/09/mulher-refeicao-ovo.jpg)
Não seria justo se esta análise terminasse por aqui. Já é ponto assente que o ovo não há de afetar de forma expressiva o colesterol plasmático de grande parte da população, mas será que isto dizer que não há qualquer associação com doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 ou hipertensão?
A verdade é que a evidência é conflituosa e ainda é um terreno incerto. Os estudos controlados e de melhor qualidade não encontraram quaisquer efeitos adversos nos marcadores de risco para as doenças cardiovasculares ou para a diabetes tipo 2, quando se trata de um consumo de um a dois ovo por dia.
Paralelamente, existem estudos prospetivos com resultados variados: alguns concluíram que uma ingestão de até um ovo por dia não estava associada a um maior risco de doenças cardiovasculares; outros, por oposição, reportaram uma associação positiva (isto é, um aumento do risco tanto para as doenças cardiovasculares como para a diabetes tipo 2).
Apesar destas divergências, é consensual que para os diabéticos há um risco acrescido de doenças cardiovasculares associado a um consumo superior de ovos. Relativamente à hipertensão, foi comprovado que a ingestão de ovos estava associada a uma diminuição de 21% do risco.
Após esta exposição de alguns dos estudos científicos publicados, é natural que haja confusão.
A evidência é conflituosa e naturalmente não está isenta de erros. Por um lado, os ensaios clínicos de melhor qualidade só avaliam os efeitos nos marcadores intermédios de risco a curto prazo e, por outro lado, não se deve ignorar os estudos prospetivos que demonstraram associações positivas para o aumento do risco de doença.
Cruzar a informação disponível é de extrema importância: o consumo de ovos parece estar associado ao aumento do risco de doença, mas é improvável que o vilão seja o colesterol alimentar (uma vez que já concluímos que este não aumenta de forma apreciável o colesterol plasmático).
O ovo e a fosfatidilcolina
![Homem a comer ovo cozido](https://cdn.vidaativa.pt/uploads/2017/08/cozer-ovos-tempos.jpg)
Mas então, se o colesterol não é o culpado, quem poderá ser? Uma das grandes hipóteses é o óxido de trimetilamina.
Sabe-se que a gema tem quantidades apreciáveis de fosfatidilcolina (mais comumente chamada de lecitina) que é a principal fonte de colina (uma vitamina do complexo B).
A lecitina é convertida pelas bactérias intestinais em trimetilamina e esta é, por sua vez, oxidada no fígado em óxido de trimetilamina. Este último composto parece causar inflamação e desencadear uma série de processos que favorecem a formação de placas de ateroma.
Por esta razão, está associado a um aumento do risco cardiovascular. Contudo, isto é apenas uma das grandes hipóteses. Muito caminho tem ainda de ser percorrido para identificar certeiramente o que pode estar na origem das associações positivas do consumo de ovo com algumas doenças reportadas por alguns estudos prospetivos.
Afinal, quantos ovos podemos comer por dia?
![Caixa com ovos](https://cdn.vidaativa.pt/uploads/2018/10/fact-check-ovo.jpg)
Outra das dúvidas mais comuns é quantos ovos podemos consumir por dia.
Para contextualizar, as próprias recomendações para indivíduos de várias instituições diferem entre si: as guidelines norte-americanas recomendam que se ingira a menor quantidade possível de colesterol alimentar; na Dinamarca recomenda-se que se ingira até sete ovos por semana; outras instituições não têm limites superiores quer para o consumo de ovos, quer para o colesterol alimentar.
Assim, é possível constatar que as recomendações são, de facto, muito díspares. Os ensaios clínicos sugerem que o consumo de 1 a 2 ovos por dia não parece exercer efeitos negativos na saúde.
Já alguns estudos prospetivos reportam associações positivas entre consumos superiores a 1 ovo por dia e alguns efeitos negativos na saúde. Mas isto não quer dizer que seja para toda e qualquer pessoa.
Foi referido anteriormente que os estudos prospetivos reportam associações mais marcadas para diabéticos e, assim, nestes, estima-se que o consumo possa ser até no máximo até 7 ovos por semana, mas sempre num contexto de uma dieta equilibrada e acompanhamento profissional.
Posto isto, a atual evidência de melhor qualidade sugere que a recomendação de consumo semanal de ovos, para indivíduos saudáveis, não ultrapasse os 12 por semana.
No entanto, se preferir ter uma abordagem mais conservadora por tudo o que foi dito acima, pode ficar pelos 7 ovos por semana, ou seja, 1 por dia.
Os benefícios do ovo
É de extrema importância sublinhar que o ovo é um alimento riquíssimo do ponto de vista nutricional, barato e prático.
Um ovo de 50g contém cerca de 72 calorias, 6 gramas de proteína de alto valor biológico, 147 mg de colina (vitamina do complexo B), 252 µg de luteína e zeaxantina (1)(carotenoides, nomeadamente xantofilas, associados à saúde dos olhos) e fornece cerca de 29 mg de DHA ( (ou seja, em 100g de ovo obtemos 58 mg de DHA , o que faz do ovo uma fonte de ácidos gordos ómega-3).
Um só ovo ainda satisfaz em 19% a dose recomendada diária de vitamina B12 para adultos. Para além disto tudo, a gema é das poucas fontes dietéticas de vitamina D.
Avaliação final: é preciso equilíbrio
Até hoje, não há qualquer evidência que suporte a eliminação do ovo da dieta. Os ensaios clínicos sugerem que o consumo de 1 a 2 ovos por dia não parece exercer efeitos negativos na saúde, sendo que 1 ovo por dia será uma abordagem mais conservadora.
Como em tudo na nutrição é preciso bom senso e equilíbrio. É igualmente importante referir que tudo isto é meramente informativo e que não substitui o acompanhamento por um nutricionista.