Drª Patricia Azevedo | Médica Veterinária
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22 Abr, 2020 - 14:13

COVID-19 e felinos: informações importantes a reter

Drª Patricia Azevedo | Médica Veterinária

Será que existe uma relação entre COVID-19 e felinos? Estudos recentes sugerem que sim. Mas será isso um motivo de preocupação?

COVID-19 e felinos: gato na rua

Notícias recentes colocaram os felinos como protagonistas, chamando a “atenção” das pessoas para esta espécie. Tudo isto porque tem sido noticiado que poderá existir uma relação entre COVID-19 e felinos. No entanto, é importante perceber que tipo de relação existe e se, de facto, é relevante tanto para os felinos como para as pessoas. E a resposta parece ser que não.

Covid-19 e felinos: Casos de gatos domésticos que testaram positivo

COVID-19 e animais de estimação: mulher com máscara a dar mimos ao gato

Foram noticiados recentemente alguns casos de gatos domésticos que testaram positivo para a doença e que conviviam com pessoas que foram diagnosticadas com COVID-19.

Porém, o que significa exatamente os gatos terem testado positivo e qual a relação entre COVID-19 e felinos?

Mulher infetada com COVID-19 e animal de companhia
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O gato da Bélgica

O gato da Bélgica foi o primeiro caso noticiado mundialmente. O felino foi testado por apresentar sintomatologia compatível com infeção por SARS-Cov-2, sendo que teria estado em contacto próximo com o seu tutor também diagnosticado com a doença.

Os sintomas que o gato apresentava eram diarreia, vómitos, tosse, taquipneia (respiração acelerada e supercicial) e anorexia (deixou de comer). Ora, estes sintomas, em gatos, podem ser compatíveis com muitas outras doenças, por isso, por si só, não significam que o gato apresentaria estes sintomas por estar infetado com COVID-19.

Foram recolhidas amostras das suas fezes e vómitos e foram realizadas análises a essas mesmas amostras.

O tipo de análise que é realizado às amostras dos indivíduos também é importante ter em consideração, para se interpretar os resultados. Neste momento existem dois tipos de testes que estão a ser realizados:

  1. PCR: análise molecular, em que é detetada a presença de RNA viral, ou seja, a presença do próprio vírus.
  2. Anticorpos: em que é detetável a produção de anticorpos específicos para aquele vírus. Isto significa que o indivíduo desenvolveu uma resposta imune competente, e portanto, foi capaz de neutralizar o vírus.

Neste caso em particular, a análise preliminar que foi realizada ao gato foi o teste de PCR, em que foi possível detetar a presença de RNA viral tanto nas fezes como nos vómitos do gato. Até à data, não existem informações de terem sido realizados testes para deteção de anticorpos de SARS-CoV-2 nesse felino.

Ou seja, com esta análise, foi possível perceber que o felino, de facto, continha material genético do vírus no seu aparelho gastrointestinal, mas nada mais do que isso. Não foi possível perceber se o gato desenvolveu algum tipo de resposta ao vírus e, mais importante, se de facto esta sintomatologia estaria associada ao novo coronavírus ou a outro vírus.

Ainda mais cuidado deve ser tido na interpretação da leitura desta análise, tendo em consideração os hábitos de higiene dos felinos. Os gatos passam grande parte do seu dia a lavaram-se, ou seja, a lamberem com a sua língua o pelo. A dúvida aqui persiste se, de facto, não se trataria de uma contaminação ambiental.

Ou seja, é perfeitamente possível que, o gato, estando em contacto com o tutor infetado, pudesse ter partículas virais no seu pelo e, ao lamber-se, pode, acidentalmente ter ingerido essas mesmas partículas, levando a que, as mesmas partículas, pudessem estar então presentes tanto nas fezes como nos vómitos, sem que de facto o gato estivesse infetado com COVID-19.

Assim, neste caso, pelo menos até à data, estes factos não permitem concluir que ocorreu infeção viral no gato.

Veterinário ao domicílio a tratar de gato

Outros casos de gatos infetados

O laboratório IDEXX realizou uma pesquisa em mais de 4000 animais, entre os quais cães, gatos e equinos, sendo o tipo de análise PCR, e não encontrou nenhum resultado positivo nessas amostras.

Foram também reportados alguns casos de felinos assintomáticos, ou seja, que não apresentam qualquer sintoma de doença, que conviviam com pessoas diagnosticadas com COVID-19 e testaram positivo para o teste de anticorpos, ou seja, produziram uma resposta imunitária ao vírus. No entanto, estes estudos não foram ainda nem aprovados nem publicados.

Covid-19 e felinos: O caso dos tigres infetados

Outra notícia recente e alarmante divulgou que nos Estados Unidos, mais precisamente no zoo de Bronx, existe um grupo de tigres,que havia começado a demonstrar alguns sintomas respiratórios, como tosse e dificuldade respiratória.

Assim, com suspeitas de possível infeção por SARS-CoV-2, um dos tigres foi sedado para serem recolhidas amostras que, posteriormente, foram confirmadas como positivas para o vírus. Tal foi depois confirmado pelos Laboratórios dos Serviços Veterinários Nacionais do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).

Acredita-se que estes tigres tenham sido infetados por um tratador portador assintomático do vírus, no entanto, ainda não existe total confirmação dessa teoria. Os tigres manifestaram sintomas ligeiros e encontram-se a recuperar bem.

Este foi o único caso até agora, de um caso reportado de SARS-CoV-2 em animais selvagens.

Covid-19 e felinos: Estudos experimentais

Colónias de gatos de rua e projetos CED: gato no veterinário

Estudos experimentais recentes revelam que tanto furões como felinos são suscetíveis ao SARS-CoV-2, porém, estes estudos não foram ainda publicados, aguardando ainda revisão para posterior publicação.

Neste estudo experimental, vários gatos foram infetados com uma quantidade viral elevada por via intranasal direta e, posteriormente, foram recolhidas amostras da cavidade nasal e das fezes e analisadas através da metodologia de PCR, sendo que alguns dos gatos testaram positivo.

Também foram realizados testes de anticorpos, sendo que alguns destes gatos desenvolveram uma boa resposta imune, ou seja, produziram anticorpos contra o SARS-CoV-2.

Foram também colocados gatos infetados com não infetados no mesmo ambiente, sendo que alguns, que eram previamente negativos, passaram a testar positivo, presumindo-se assim que possam ter sido infetados por outros gatos.

Para já, este estudo não traz grandes conclusões. O que aconteceu neste estudo experimental foi que foi administrada uma dose muito alta (longe de ser semelhante a uma situação de infeção que ocorra naturalmente), portanto, nada comprova, para já, que o contágio ocorra facilmente.

No entanto, nenhum dos animais manifestou sintomas e um número baixo de animais foi infetado, o que sugere que a disseminação do vírus nestes animais não é muito fácil. Também no relatório não está descrito que haja possibilidade de os felinos disseminarem o vírus, ou seja, a carga viral necessária para que ocorra disseminação é superior.

São necessários mais estudos, para que seja possível concluir mais factos acerca deste contágio e perceber melhor a relação entre COVID-19 e felinos.

Conclusão

A relação entre COVID-19 e felinos ainda não está estabelecida a 100%. Para já, existem alguns casos de felinos que aparentam ter sido infetados pelo SARS-CoV-2, todavia, o número continua a ser muito baixo e até estatisticamente pouco significativo, tendo em conta a quantidade de pessoas infetadas em todo o mundo.

Também se sabe, para já, que mesmo infetados, os gatos desenvolvem sintomas leves ou são assintomáticos, além de produzirem uma resposta imunitária eficaz contra o SARS-CoV-2.

Outro ponto claro e defendido pela WSAVA (Associação de Médicos Veterinários de Pequenos Animais) e pela OIE (Organização Internacional de Saúde Animal), é que os gatos, e animais domésticos no geral, não são capazes de transmitir a infeção para outros animais ou humanos, pelo que, neste momento, não devem ser uma preocupação para a população.

De uma forma resumida, os gatos, não apresentam risco de doença de COVID-19 para os humanos, nem aparentam disseminar a doença. E ainda que possam eventualmente ser contaminados, a doença não se comporta da mesma forma agressiva do que nos humanos.

Fontes

  1. ABCD – SARS Coronavirus 2 and cats. Disponível em: http://www.abcdcatsvets.org/sars-coronavirus-2-and-cats/
  2. OIE – Questions and answers on 2019 novel coronavírus. Disponível em: https://www.oie.int/en/scientific-expertise/specific-information-and-recommendations/questions-and-answers-on-2019novel-coronavirus
  3. WSAVA Scientific and One Health Committees – ADVISORY DOCUMENT: UPDATED AS OF MARCH 20, 2020 – The New Coronavirus and Companion Animals – Advice for WSAVA Members. Disponível em: https://wsava.org/wp-content/uploads/2020/03/COVID-19_WSAVA-Advisory-Document-Mar-19-2020.pdf
  4. 5TH CALL OIE ADVISORY GROUP ON COVID-19 AND THE ANIMAL-HUMAN INTERFACE. Disponível em: https://www.oie.int/fileadmin/Home/eng/Our_scientific_expertise/docs/pdf/COV-19/5th_call_OIE_AHG_COVID19_and_animals.pdf
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