Rúben Ausina
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06 Ago, 2020 - 09:58

Hipertensão e COVID-19: são os anti-hipertensores benéficos ou prejudiciais?

Rúben Ausina

Portugal e outros países debatem-se frequentemente com a relação entre hipertensão e COVID-19, isto é, se a hipertensão controlada pode assumir um fator de risco na infeção por SARS CoV-2.

Hipertensão e COVID-19

No atual contexto pandémico, Portugal e outros países debatem-se frequentemente com a relação entre hipertensão e COVID-19, isto é, se a hipertensão arterial controlada pode assumir um fator de risco na infeção por SARS CoV-2.

O que é a Hipertensão arterial?

Em termos médicos, a hipertensão arterial é considerada uma doença crónica que se define por pressão arterial persistentemente alta, independentemente da causa. Como normalmente não demonstra sintomatologia imediata, pode persistir durante um longo período, até um órgão vital ser lesionado.

A hipertensão arterial é o fator de risco mais prevalente na população portuguesa, sendo que assumida uma forma descontrolada aumenta significativamente a probabilidade de desenvolver problemas críticos de saúde, como acidente vascular cerebral, aneurisma, insuficiência cardíaca, ataque cardíaco e patologias renais (1).

Após diversas alterações nas políticas nacionais, ficou finalmente decidido que os hipertensos (tal como os diabéticos) têm risco acrescido face à COVID-19 e por isso estão abrangidos pelo “regime de proteção especial”, o que permite realizar teletrabalho ou apresentar faltas justificadas no trabalho.

COVID-19 e diabetes: mulher com caneta de insulina
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Terapêutica da hipertensão arterial vs COVID-19

Mulher a tomar comprimido

O objetivo da terapêutica anti-hipertensora em sentido estrito é, a curto prazo, a redução e controlo da pressão arterial para valores inferiores a 140/90 mmHg. As intervenções sobre o estilo de vida do doente devem ser sistematicamente integradas no tratamento da hipertensão arterial.

As principais intervenções no estilo de vida são:

  • Adotar uma dieta nutricionalmente equilibrada
  • Prática regular e moderada de exercício físico
  • Restrição do consumo excessivo de álcool
  • Diminuição do consumo de sal (valor ingerido inferior a 5,8 g/dia)
  • Cessação tabágica (2)

Em simultâneo, podem ser utilizados diversos fármacos (de acordo com a tipo de hipertensão arterial em questão), sendo os mais comuns, os inibidores da enzima de conversão de angiotensina (iECA) e antagonistas dos recetores de angiotensina (ARA) (3-6).

Estes fármacos estimulam o aumento da enzima ECA2, que por sua vez é um dos principais recetores de ligação do SARS CoV-2 nas células pulmonares que utiliza para infetar o organismo.

Estudos científicos realizados em animais indicam que estes fármacos podem ter um efeito protetor reduzindo a inflamação em alguns órgãos, como pulmões, rim e coração, diminuindo assim o risco de complicações pulmonares, miocardites e doença renal aguda.

No entanto, algumas entidades científicas alertam que não existem dados suficientes em humanos para demonstrar se existe um efeito benéfico ou prejudicial em utentes com COVID-19 (2-6).

Diagnóstico da hipertensão

Mulher a medir a tensão arterial

Apesar de simples, o diagnóstico deve obedecer a um processo rigoroso de avaliação e classificação, de modo a implementar o plano terapêutico mais adequado.

Relativamente a uma avaliação normal os valores devem-se situar entre 120-129 mmHg na pressão arterial sistólica (PAS) e entre 80-84 mmHg na pressão arterial diastólica (PAD).

O aumento desses valores pode estar presente na pressão arterial normal alta ou ainda um quadro clínico de hipertensão (PAS ≥ 140mmHg e PAD ≥ 90mmHg).

Adicionalmente a hipertensão arterial pode ser classificada em três categorias, sendo essas (1):

  1. Grau I (HTA ligeira): PAS entre 140-159 mmHg e PAD entre 90-99 mmHg.
  2. Grau II (HTA moderada): PAS entre 160-179 mmHg e PAD entre 100-109 mmHg.
  3. Grau III (HTA grave): PAS ≥ 180 mmHg e PAD ≥ 110 mmHg.

Esta classificação é válida para adultos a partir dos 18 anos de idade que não estejam medicados com fármacos anti-hipertensores e não apresentem nenhum processo patológico agudo concomitante, ou se encontrem grávidas (1).

É importante realçar que a medição deve ser realizada em ambiente tranquilo e relaxado, e se possível não fumar nem ingerir estimulantes no período anterior à medição (1).

Para concluir o diagnóstico de hipertensão é necessário que a pressão arterial se mantenha elevada nas medições realizadas em, pelo menos, duas diferentes consultas, com um intervalo mínimo entre elas de uma semana (1).

Hipertensão e COVID-19: dados epidemiológicos

Mulher a medir a tensão em casa

A taxa de prevalência da hipertensão em Portugal situa-se nos 26,9%, sendo mais elevada no sexo feminino (29,5%) do que no masculino (23,9%), revela o estudo desenvolvido pelo Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares, da Direção-Geral da Saúde (4).

Adicionalmente, as doenças cardiovasculares (DCV) continuam a ser, em Portugal, a principal causa de morte e, responsáveis por 32% do total dos óbitos. Mais especificamente, a mortalidade proporcional por doenças cérebro vasculares foi de 14%, por doença isquémica cardíaca 8 % e por outras doenças do aparelho circulatório 11% (1).

Alguns estudos sugerem que de entre os utentes que desenvolveram infeção por SARS CoV-2 a maior parte apresentava patologias associadas, sendo as mais comuns hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares (3).

Conclusão

Os hipertensos com COVID-19 deverão ter as mesmas precauções que indivíduos da mesma faixa etária e com o mesmo perfil de co-morbilidades não hipertensos, e à luz do conhecimento atual não deverão suspender o tratamento com iECAs ou ARAs (2-6).

É importante reforçar que é necessária a vigilância continuada, bem como não esquecer que a interrupção da terapêutica, absoluta ou intermitente, pode levar a um agravamento da situação clínica, embora, num grande número de casos, a hipertensão arterial evolua de uma forma benigna e seja fácil de controlar (1, 4).

Fontes

  1. DGS. Hipertensão arterial: definição e classificação. Disponível em: https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-circulares-normativas/norma-n-0202011-de-28092011-atualizada-a-19032013-jpg.aspx
  2. DGS. Abordagem terapêutica da hipertensão. Disponível em: https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-circulares-normativas/norma-n-0262011-de-29092011-atualizada-a-19032013-jpg.aspx
  3. American Journal of Hypertension. Hypertension and COVID-19. Disponível em: https://academic.oup.com/ajh/article/33/5/373/5816609?fbclid=IwAR1vXaStsl_ip7yelUYOm50joBqXE_poHkb3iZljevKrEmuh_SMuKWQk9fQ(vidativa
  4. DGS. A Hipertensão arterial em Portugal. Disponível em: https://www.dgs.pt/em-destaque/a-hipertensao-arterial-em-portugal-.aspx
  5. Sociedade Portuguesa da Hipertensão. COVID 19: uso de inibidores da ECA e antagonistas dos receptores da angiotensina. DIsponível em: https://www.sphta.org.pt/files/covid_19_declaracao__sph.pdf
  6. Nature. COVID-19 patients with hypertension have more severe disease: a multicenter retrospective observational study. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41440-020-0485-2
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