Rúben Ausina
Rúben Ausina
15 Jul, 2020 - 12:22

Resistência aos antibióticos: como controlar esta tendência

Rúben Ausina

A resistência aos antibióticos é um problema de saúde pública emergente a nível global.

Resistência aos antibióticos

“Assim que obtemos cada vez mais informação científica conseguimos perceber de uma forma mais clara e preocupante a ineficácia de importantes agentes antimicrobianos no combate às infeções”.

Esta foi a declaração mais recente de Teldos Ghebreyesus, Diretor-Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), relativamente ao crescente número de resistências antimicrobianas (RAM), com destaque para a resistência aos antibióticos (1).

Esta situação está a conduzir à escassez de agentes terapêuticos que, por sua vez, leva ao aumento de complicações e tempo de internamento, bem como à ineficácia do tratamento e agravamento da doença que pode ser fatal (2, 3).

As resistências antimicrobianas são um problema de saúde pública emergente a nível global, sendo necessárias ações globais rápidas e eficazes para controlar este tipo de resistência, sendo transversais a toda a população, incluindo órgãos políticos (1, 2).

O que é a RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA?

Microbiologista com placa de petri

Desde os tempos mais remotos em que se registam elevadas taxas de mortalidade provocadas por doenças infeciosas (bactérias, vírus, fungos e parasitas), que o ser humano sentiu necessidade de sintetizar compostos naturais e químicos que tivessem propriedades antimicrobianas.

No entanto, com o aumento de consumo de antimicrobianos estes microrganismos desenvolvem estratégias de defesa, tornando a terapêutica menos eficaz, com especial atenção para os antibióticos (e consequente resistência aos antibióticos), utilizados em infeções bacterianas, mas também na tuberculose resistente, assim como infeções por malária e vírus da imunodeficiência humana (VIH) (2, 4).

De uma forma resumida existem vários mecanismos de resistência dos microrganismos, que se podem manifestar de duas formas:

  1. Adquirida (a mais preocupante), é originada através de uma alteração a nível genético, quer modificando o seu genoma por mutação, quer incorporando genes provenientes de outros microrganismos por diferentes sistemas de transferência genética.
  2. Natural, sendo uma caraterística da espécie microbiana, quando se tornam naturalmente resistentes a um antimicrobiano.

Relativamente às infeções bacterianas, é frequente encontrarem-se estirpes de bactérias resistentes a várias classes de antibióticos, sendo designadas de multirresistentes (3, 4).

Principais antibióticos e mecanismo de ação

Mulher a tomar antibiótico

Os antibióticos são agentes terapêuticos utilizados nas infeções por bactérias, que podem ser administrados por diversas formas (via oral, intravenosa, intramuscular, cutânea, ocular etc.).

Estes podem ser de amplo ou reduzido espectro, e de acordo com o seu efeito de antibiose, podem adquirir função bacteriostática (impedem a proliferação) ou bactericida (destruindo o agente patogénico) (4, 5).

Na Tabela 1 temos alguns exemplos dos principais antibióticos utilizados, agrupados por classes e mecanismo de ação. Na terapêutica estes podem ser administrados em monoterapia (uso individual) ou associados a outros, aumentado o espectro de ação e assim a sua eficácia face ao microrganismo (5).

Relativamente ao regime terapêutico, sabe-se que os regimes curtos e espectro reduzido acarretam mais vantagens por incluírem maior adesão, menos efeitos adversos, menor custo e menor potencial para desenvolver resistências. Atualmente, esses regimes variam entre a toma de dose única a 3-7 dias, dependendo do tipo e gravidade da infeção (2).

Mecanismo de açãoClasse (composição química)
Antiparietais (inibem a síntese da camada de peptidoglicano presente na parede celular)Beta-lactámicos: penicilinas (amoxicilina, ampicilina, meticiclina, etc); cefalosporinas (1ª, 2ª, 3ª e 4ª geração) e carbapenemos (meropenem, imipenem, etc).
Glicopéptideos (vancomicina, teicoplanina).
Fosfomicina.
Antimembranares (afetam a permeabilidade da membrana)Polipéptideos (daptomicina, polimixinas)
Inibidores da síntese proteicaAminoglicosídeos (gentamicina, amicacina, estreptomicina).
Tetraciclinas.
Macrólidos (eritromicina).
Cloranfenicol.
Oxazolidinonas (linezolid).
Inibidores da síntese de ácidos nucleicos (material genético)Quinolonas (ciprofloxacina, levofloxacina).
AntimetabolitosSulfonamidas/Trimetropim (cotrimoxazol).
Efeito multifatorialNitrofuranos (nitrofurantoína).
Tabela 1 – Principais antimicrobianos divididos por classe e mecanismo de ação

Principais estratégias contra a resistência aos antibióticos

Profissional de saúde a fazer testes laboratoriais

A resistência aos antibióticos conduz a um perigo acrescido, sofrimento prolongado do indivíduo e aumento dos custos dos cuidados de saúde e, portanto, constitui um encargo para a sociedade.

Nesse sentido, as entidades internacionais e nacionais estão a implementar planos de ação com medidas globais para controlar a tendência exponencial da resistência aos antibióticos, com particular atenção para as infeções adquiridas em meio hospitalar e na comunidade.

De uma forma geral, esta situação é um problema em que estamos todos conectados, pessoas, animais e o meio ambiente, pelo que as medidas que estão na base da prevenção e controlo são transversais a todos nós. Algumas dessas medidas podem passar pelo (2, 4):

  1. Isolamento de pacientes infetados/vigilância de pacientes colonizados (portadores) com bactérias multirresistentes, como por exemplo: Enterobactereaceas resistentes aos carbapenemos (EPC) e beta-lactâmicos (ESBL), Enterococcus spp resistente à vancomicina (VRE) e Staphylococcus aureus resistente a meticilina (MRSA).
  2. Higienização mais frequente (especialmente das mãos) de modo a prevenir a transmissão.
  3. Racionalização no uso de antibióticos (precauções com terapêutica empírica).
  4. Diminuir o tempo de resposta dos meios utilizados para o diagnóstico (exame microbiológico).
  5. Uso de antibioterapia exacerbada em animais, que posteriormente são utilizados para consumo.
  6. Estudos de novas abordagens terapêuticas nas infeções por bactérias (diminuindo o uso de antibióticos).
  7. Disponibilização de perfis epidemiológicos locais, a fim de conhecer a resistência real da localidade.

Em Portugal, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) desenvolve atividade nesta área, detendo assim o Laboratório Nacional de Referência das Resistências aos Antimicrobianos, ao qual devem ser reportados os casos sinalizados de microrganismos multirresistentes encontrados na rede hospitalar, para posterior estudo e obter perfis epidemiológicos locais (2, 3).

Resistência aos antibióticos em tempo de COVID-19

A OMS teme fortemente o uso inapropriado e exacerbado de antibióticos durante a atual pandemia por SARS CoV-2. Algumas evidências científicas mostram que só uma pequena fração de utentes diagnosticados com COVID-19 necessitam de antibioterapia, nomeadamente utentes com coinfeções e que apresentam sintomatologia mais grave (1).

De acordo com um artigo publicado pela revista “Nature”, existe uma forte preocupação por parte dos médicos na diferenciação de infeções provocadas pelo SARS CoV-2 e pneumonia bacteriana, visto terem um quadro clínico idêntico. Sendo assim, advertem para o uso ponderado de antibioterapia nestas situações pois sendo o agente patogénico um vírus o uso de antibióticos não exerce qualquer função terapêutica (6).

Em suma, os alertas no uso da terapêutica empírica e o consequente inadequado uso dos antibióticos são assinalados pela OMS e por outras entidades de saúde, pelo que em 11% dos casos são totalmente ineficazes, obrigando à alteração da terapêutica. Essa prática assume um papel importante no aumento da resistência antimicrobiana adquirida.

Por outro lado, existe a possibilidade de começar a introduzir com mais afinco, especialmente em infeções provocadas por bactérias multirresistentes, outros métodos de abordagem terapêutica, como é o exemplo da terapia fágica.

Este tipo de abordagem, que ainda carece de mais evidências científicas, utiliza bacteriófagos (também designados de fagos) que são vírus capazes de infetar bactérias específicas e usarem o seu metabolismo para se replicarem até as inativar.

De uma forma geral é um método terapêutico inócuo para o ser humano, mais económico e com menos efeitos adversos. Era uma forma terapêutica utilizada extensivamente antes da era dos antibióticos no mundo oriental e Europa do Leste (especialmente a Polónia), que está a ganhar novamente interesse por parte dos investigadores face ao exponencial aumento de resistências aos antibióticos (7).

Fontes

  1. OMS. Record number of countries contribute data revealing disturbing rates of antimicrobial resistance. Disponível em: https://www.who.int/news-room/detail/01-06-2020-record-number-of-countries-contribute-data-revealing-disturbing-rates-of-antimicrobial-resistance
  2. DGS. Plano Nacional de combate à resistência aos antimicrobianos. Disponível em: https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/plano-nacional-de-combate-a-resistencia-aos-antimicrobianos-2019-2023-pdf.aspx
  3. INSA. Resistência aos antimicrobianos. Disponível em: http://www2.insa.pt/sites/INSA/Portugues/AreasCientificas/DoencasInfecciosas/AreasTrabalho/ResistencAnti/Paginas/inicial.aspx
  4. CDC. Antibiotic / Antimicrobial Resistance. Disponível em: https://www.cdc.gov/drugresistance/index.html
  5. CDC. Antibiotic class definitions. Disponível em: https://arpsp.cdc.gov/resources/OAU-Antibiotic-Class-Definitions.pdf
  6. Nature. Antimicrobial resistance in the age of COVID-19. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41564-020-0739-4
  7. Emerging Topics in Life Science. Phage therapy: awakening a sleeping giant (Artigo de revisao). Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7288995/pdf/ETLS-1-93.pdf
Veja também

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