Revisão Vida Ativa
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29 Out, 2020 - 07:55

Dia Mundial da Psoríase: a doença que afeta 250 mil pessoas em Portugal

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No Dia Mundial da Psoríase, o Vida Ativa entrevistou um dos maiores especialistas da doença em Portugal, o médico dermatologista Dr. Paulo Ferreira.

Dia Mundial da Psoríase

Hoje, dia 29 de outubro, celebra-se o Dia Mundial da Psoríase, uma doença autoimune crónica que afeta cerca de 250 mil pessoas em Portugal, de acordo com os dados fornecidos pela PSOPortugal (Associação de doentes com Psoríase).

Para dar resposta não só às dúvidas que inquietam as pessoas que vivem com Psoríase, mas também para combater o estigma social, a discriminação e o isolamente das pessoas que dela padecem, entrevistamos o médico dermatologista Dr. Paulo Ferreira, considerado um dos maiores especialistas da doença em Portugal.

Dia Mundial da Psoríase: entrevista ao médico dermatologista Paulo Ferreira

Mulher com prurido no pescoço
VIDA ATIVA

Sabemos que a Psoríase é uma doença autoimune crónica, mas quais são os seus contornos específicos?

Paulo Ferreira: A Psoríase é uma doença imunomediada, crónica, predominantemente autoimune, em que há uma base hereditária e que, da interação com determinados fatores do ambiente, despoletam uma resposta da nossa imunidade.

Este processo culmina num estado imunoinflamatório crónico que leva à produção de mediadores de inflamação que, ao nível da pele, se reflete na lesão da Psoríase, uma lesão avermelhada, com relevo, com espessura e com uma descamação esbranquiçada.

VA

A inflamação subjacente a esta doença repercute-se apenas na pele?

PF: Este é um processo de inflamação sistémico, isto é, vê-se na pele, mas pode também atingir outros órgãos, aparelhos e sistemas, daí as comorbilidades que acompanham a Psoríase.

Entre estas comorbilidades estão a artrite psoriática, a síndrome metabólica, os eventos cardiovasculares, o fígado gordo; e as comorbilidades psico-psiquiátricas – como a ansiedade, baixa autoestima, angústia, depressão, isolamento social e mesmo de ideação suicida.

VA

Quais são as causas que estão na origem da Psoríase?

PF: Há uma componente hereditária. Se um dos pais tem Psoríase, a probabilidade do filho vir a ter é de 8 a 10%. Se ambos os pais a tiverem, a probabilidade já sobe para os 40%.

Também há determinados fatores adjuvantes, como viroses na infância, viroses sazonais, infeções bacterianas, desequilíbrios metabólicos, obesidade, tabagismo, álcool, determinados medicamentos, o stress, que, em consonância uns com os outros, num indivíduo geneticamente predisposto, podem despoletar a ativação das células de imunidade inata.

Estas células vão comunicar com as células da imunidade adaptativa, produzindo citoquinas pró-inflamatórias que levam à inflamação dos órgãos alvo: pele, articulações, fígado, vasos sanguíneos…Portanto, a Psoríase e as suas comorbilidades, ou seja, a doença psoriática.

VA

Podemos falar em graus de Psoríase?

PF: Sim. Quanto à classificação da Psoríase, muitas vezes cataloga-se de acordo com a extensão, infiltração e localização das lesões.

Pode, então, ser classificada como ligeira, moderada ou grave. Ou seja, menos de 5% de área corporal é classificada como ligeira, entre 5 e 10%, moderada, e mais de 10%, grave.

Esta classificação, contudo, tem algumas limitações, pois a Psoríase pode atingir 20% de área corporal e não ser demasiado grave, na perspetiva de alguns doentes, se atingir, por exemplo, áreas escondidas.

No entanto, há casos em que, se atingir só a face, os genitais, as mãos, as unhas, em menos de 5% de área corporal, pode ser muito grave, impactante e condicionadora da autoestima ou mesmo da profissão do doente.

VA

De acordo com a sua experiência na área, qual o impacto da Psoríase na vida dos doentes?

PF: A Psoríse tem vários impactos. Tem impacto a nível individual, porque é uma doença autoimune crónica, portanto, é uma doença grave, que está associada a várias comorbilidades, que diminui a qualidade e a esperança de vida.

Também é grave porque é uma doença que é visível, o que gera nos doentes isolamento social e baixa autoestima. Nas pessoas que desconhecem a doença gera preconceito e discriminação.

Ora, tudo isto traz graves problemas psíquicos, daí as comorbilidades psico-psiquiátricas que a doença acarreta.

O próprio facto de a doença provocar aquela descamação, que é dolorosa, pode contribuir para uma diminuição da qualidade do sono. Nas formas palmoplantares pode, inclusivamente, condicionar a marcha. Na artrite, pode condicionar o manuseio de objetos finos, abrir portas, abrir uma garrafa.

Portanto, é um doença que pode ter muitos impactos e afetar consideravelmente a vida dos doentes.

VA

Há algum tratamento para aliviar os sintomas da doença

Há tratamentos tópicos, que visam aliviar a inflamação visível. Mas, o fundamental é tratar a doença na sua origem, isto é, tratar por dentro e não por fora. Caso contrário andamos a correr atrás da doença, isto é, a ser reativos e não proativos.

As novas abordagens terapêuticas visam um tratamento proativo, visando impedir ou prevenir os surtos e manter os doentes sem lesões, com qualidade de vida, a trabalhar, com uma boa vida profissional, relacional e social.

Mulher com lesões cutâneas de Psoríase no cotovelo

A reter

A Psoríase é uma doença autoimune, crónica, que, atualmente, afeta entre 1 a 5% da população mundial. Em Portugal, há cerca de 250 mil pessoas que padecem da doença.

Na sua origem está uma inflamação multissistémica (inflamação generalizada de todo o organismo), que se repercute mais na pele, nas articulações e na componente cardiometabólica.

A evolução da doença propriamente dita depende da susceptibilidade individual para a doença (fatores genéticos), da agressividade dos fatores desencadeantes, do maior ou menor controle da resposta inflamatória.

A sua gravidade – que se verifica pela extensão e grau de infiltração das lesões na pele (além da forma como afeta a qualidade de vida do doente) – depende, em grande medida, das comorbilidades associadas à doença.

O tipo mais comum de Psoríase, em placas, atinge preferencialmente o couro cabeludo, cotovelos, joelhos, o fundo das costas, mas há doentes que têm só nas mãos, nas unhas, nos genitais. Há doentes que, inclusivamente, têm só nas articulações (artrite) e não têm lesões na pele. Há outros que desenvolvem formas mais raras, como, por exemplo, as denominadas formas inversas da doença ou as variantes fenotípicas da doença.

O que importa reter em todos os tipos de Psoríase é que a qualidade de vida dos doentes é profundamente afetada, seja em termos profissionais, relacionais e sociais. A visibilidade da doença e a discriminação que daí advém pode dar origem a comorbilidades psico-psiquiátricas, agravando ainda mais o impacto da doença na vida das pessoas que dela padecem.

O diagnóstico deve ser sempre estabelecido pela observação clínica de um dermatologista e, apesar de haver tratamentos que podem aliviar alguns dos sintomas da Psoríase cutânea, como o prurido, importa estar disponível para um tratamento mais profundo, mais proativo, e em várias frentes.

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