Mónica Carvalho
Mónica Carvalho
19 Jun, 2020 - 10:05

Vitamina D, imunidade e medicinas alternativas: falar da COVID-19 na perspetiva da ciência

Mónica Carvalho

Uma doença nova como é a COVID-19 pode trazer muitas dúvidas, mas também muitas teorias e desafios. Falamos com o Dr. João Júlio Cerqueira sobre tudo isso.

COVID-19 na perspetiva da ciência: médica com máscara

João Júlio Cerqueira é médico de Medicina Geral e Familiar e de Medicina no Trabalho, mas também conhecido por ser o fundador do blog Scimed. A sua experiência profissional e estilo frontal deram o mote para analisar a COVID-19 à lupa da evidência científica atual, onde foram abordadas, especificamente, questões como deficiência de vitamina D, imunidade e medicinas alternativas.

Uma conversa franca e esclarecedora que ajudará a compreender muito do que se sabe, mas também do que não se sabe sobre o tema do momento.

A Taxa de mortalidade por COVID-19 é mais elevada do que a de outras doenças?

Amanhã vamos estar à conversa com o Dr. João Júlio Cerqueira sobre a COVID-19 à luz da evidência científica atual. Vamos falar da Vitamina D, da imunidade e das medicinas alternativas.

Geplaatst door Vida Ativa op Donderdag 21 mei 2020

Se para alguns, a COVID-19 assemelha-se a uma gripe, para outros soam mais alarmes. Como tal, sobre a questão da letalidade desta doença, João Cerqueira alerta para dois conceitos diferentes: “case fatality rate”, que se refere à taxa de letalidade do vírus, de acordo com os casos conhecidos. “Se tivermos 1000 casos conhecidos e 100 mortos, temos uma case fatality rate de 10%”; e a “infection fatality rate”, que recorre à implementação de testes serológicos, de modo a “conseguimos detetar toda a gente exposta ao vírus que desenvolveu imunidade e pegando no número de mortos ver a taxa de letalidade.” Neste caso, “andará por volta dos 0,3% a 0,6%.”

Nesse sentido e ainda que estejamos perante uma taxa de letalidade mais baixa do que se supunha inicialmente e a aproximar-se da taxa de letalidade da gripe, existe outro fator a ter em conta: “não interessa só a taxa de letalidade do vírus, mas também a imunidade que existe na população”.

“Ainda assim vimos sistemas de saúde a colapsar completamente e, quando isso acontece, a taxa de letalidade do vírus passa a ser muito superior, pela incapacidade de dar resposta”. Além disso, alerta o fundador do Scimed “também é preciso ter em conta as mortes indiretas”, visto que se deixa de dar resposta a AVCs, ataques cardíacos, neoplasias, que derivam do colapso dos sistemas de saúde.

Logo, as “medidas draconianas impostas” para evitar o colapso do sistema, tiveram, igualmente, como objetivo “ganhar tempo, para conhecer melhor o vírus”, para saber mais, descobrir formas de tratamento e eventualmente uma vacina.

Tudo para que haja, então, mais oportunidade para “os sistemas de saúde se prepararem, com ventiladores, contratação de enfermeiros e profissionais de saúde para depois numa eventual segunda vaga conseguirmos dar resposta. E preparar também a população como foi feito em Portugal, para quando a economia abrir as pessoas tomarem precauções para evitar que a segunda vaga que aí vem – que é quase uma certeza – venha de uma forma gradual e que seja sempre abaixo da capacidade de resposta do SNS.”

Por isso, sim, as “máscaras e distanciamento social são medidas para manter durante os próximos meses.”

Sintomatologia: o que deve ser considerado?

Mulher a verificar febre com termómetro

Um dos maiores problemas da COVID-19 é precisamente a questão da incerteza. “Começou por ser caracterizada como uma doença respiratória, a tosse seca, a perda de força, alguma dificuldade respiratória e febre”, entretanto, apareceram “estudos que revelam que o vírus consegue ligar-se à garanta”, provocando a tal perda de olfato tão referida como um dos efeitos que não eram conhecidos nos primeiros meses da doença.

Mas, para João Cerqueira, existem outras descrições de sintomas raros e que afetam a parte cardiovascular:

“Temos vindo a assistir ao aumento de problemas cardíacos associados a este vírus”, até porque alguns dos medicamentos usados para o tratamento, como a hidroxicloroquina e azitromicina levam a complicações cardíacas. Uma opção errada, mas na perspetiva da “resposta emocional”, derivada de um estado de “histeria coletiva”.

Na opinião do médico, “tinha tudo para correr mal”, até porque “os estudos feitos apontam para um efeito nulo, ou pior, para um aumento da mortalidade, o que é gravíssimo.”

Défice de vitamina D agrava o estado do doente?

“A vitamina D tem um problema grave. É que existem imensos estudos de associação, que demonstram que pessoas com baixa vitamina D têm maior probabilidade de ter uma série de doenças” o que pode levar à ideia de que a suplementação possa contrariar esta situação e “até aumentar a sobrevida”.

O problema, refere João Cerqueira, é que estes estudos de associação não permitem estabelecer a causalidade e, como tal, percebe-se “que a vitamina D é relativamente inútil.”

Mesmo numa meta-análise de 2017 extensamente citada, que demonstra que a suplementação de vitamina D previne constipações, esta “não descreve de forma clara quais os critérios de inclusão de estudos, inclui estudos de baixa qualidade e quando se faz uma avaliação secundária da meta-análise, o que se conclui é que se houver algum benefício será só em pessoas com um défice grave”, isto é, com valores abaixo de 10 nanogramas por mililitro. Mas se considerarmos apenas os melhores estudos, então a conclusão é que a suplementação com vitamina D não tem benefício.

Como tal, não existem, de facto, bases factuais sobre as vantagens da suplementação.

Imunidade: “há 10 vezes mais infetados do que os casos detetados”

Profissional de saúde a analisar testes COVID-19

Perceber se já existe “imunidade parcial ao vírus” e se poderá limitar a sua propagação e chegar à imunidade de grupo mais cedo ou não é o próximo passo a dar.

“Um estudo da revista Nature diz-nos que 100% das pessoas desenvolvem anticorpos contra o SARS-CoV-2 e eram pessoas não hospitalizadas, ou seja, pessoas que não tiveram doença muito grave, o que é bom sinal. Também perceberam que em pessoas que não tiveram COVID-19, que havia em 40 a 60% com pelo menos uma imunidade parcial, o que significa que algumas pessoas tinham anticorpos de exposição a outros coronavírus que daria uma imunidade parcial à COVID-19. Isto significa que se essas pessoas tiverem COVID-19, eventualmente irão desenvolver sintomas ligeiros” ou podem mesmo não desenvolver a doença”.

Mas, recentemente, saiu outro estudo que indica que nem todos os que são expostos ao vírus “principalmente os que têm sintomas ligeiros desenvolvem anticorpos, o que nos deixa dúvidas sobre o que está a acontecer. Há uma incerteza muito grande nesta área.”

O profissional de saúde defende: “temos a ideia de que há 10 vezes mais infetados do que os casos detetados”, quer pela falta de sintomas, quer por terem sintomas ligeiros.

Além disso, “não há garantia nenhuma de que desenvolvendo anticorpos daqui a seis meses me mantenha imune ao vírus”, até porque, comparando com outros coronavírus, como o SARS-CoV, “a imunidade durava cerca de dois ou três anos” e para outros coronavírus “por vezes, só demora seis meses.”

Como tal, o conselho de João Cerqueira é “muita precaução” sobre as conclusões e medidas a implementar.

Medicina alternativa: que impacto tem no tratamento à COVID-19?

Mulher a fazer acupuntura

Este é um assunto polémico, seja qual for o tema em discussão. Porém, para o cérebro do Scimed não há dúvidas: “fui extremamente crítico relativamente à posição da OMS sobre as medicinas alternativas.”

E explica porquê: “a OMS é uma organização política e, como tal, vê-se obrigada a negociar com vários países para obter financiamento e, muitas vezes, é preciso moedas de troca”, sendo uma dessas, em relação aos países asiáticos “um patrocínio camuflado” às medicinas alternativas ,“o que não justifica a eficácia destes tratamentos.”

Como tal, trata-se mais de um “apoio à pseudociência e o perigo que isso representa”, visto que:

“existem zero estudos a mostrar que a medicina tradicional era útil em qualquer das fases da doença ou mesmo na prevenção da doença, como o chamado reforço imunitário.”

João Cerqueira dá um exemplo simples: “se eu fizer acupuntura a um asmático ele vai sentir-se melhor da asma, vai dizer que está muito melhor em termos subjetivos. Mas depois quando vai fazer a prova funcional respiratória, a espirometria, o que acontece é que a asma continua absolutamente descontrolada, exatamente como estava antes.”

Assim, alerta-se para o despertar do lado emocional e de uma sensação de bem-estar que podem ser confundidos com cura, o mesmo podendo estar a acontecer com doenças autoimunes e reumatológicas e, neste caso também, com a COVID-19.

Importância da educação para a saúde

No sentido de combater a desinformação, João Cerqueira defende que é na escola que se deve “começar a ensinar o sentido crítico e a literacia científica”, de modo a que mais tarde se consiga perceber “se aquilo que lhe estão a vender é real ou não.”

Para isso, o médico dá o exemplo da telescola: “percebemos que eles andam a vender doutrinas e não ciência, como é o caso da agricultura biológica que é boa; que a agricultura intensiva é má; que os transgénicos são maus e fazem mal à saúde, quando os transgénicos, em termos de evidência sobre os seus benefícios, estão ao nível das vacinas. Perfeitamente inócuos para a saúde das pessoas e até eventualmente com uma série de benefícios.”

“A escola devia ser o local onde o conhecimento e a ciência seriam ponto de união, começamos a perceber que, afinal, também passa por um ponto de doutrinação de alunos, relativamente a ideologias naturalistas e não de avaliação de facto sobre o que é melhor para a sociedade e para a natureza”, defende o profissional de saúde.

Como tal, deve haver uma educação de base, que permita a aquisição de diferentes tipos conhecimentos que levará a uma mente aberta e racional no futuro. No entanto, para João Cerqueira, o que acontece atualmente é uma confrontação de crianças ou pessoas menos educadas na área científica a determinadas propagandas, como “documentários de Netflix, que são uma verdadeira inutilidade”, onde se apregoam “doutrinas ideológicas e não factos científicos”, que defendem a “venda da emoção, a manipulação da emoção, a promoção do medo.”

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