Psicóloga Carolina Pinheiro
Psicóloga Carolina Pinheiro
10 Mar, 2020 - 07:30

Stress pós-traumático: lidar com a perturbação após o evento traumático

Psicóloga Carolina Pinheiro

O stress pós-traumático pode desenvolver-se após um evento ou série de eventos traumáticos. Saiba quais os principais sintomas e as formas de tratamento.

Mulher que sofre de stress pós-traumático

stress pós-traumático é uma doença psiquiátrica que afeta 1 em cada 12 portugueses (1), sendo que os seus efeitos podem ser extremamente debilitantes para quem tem de lidar diariamente com a memória de um trauma.

As pessoas que sofrem com esta perturbação – clinicamente denominada de Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT) – têm, por norma, pensamentos persistentes (associados ao trauma), memórias recorrentes do evento traumático, perda de apetite e alterações do sono, estando em constante estado de hipervigilância.

Procurar ajuda médica é fundamental para lidar com este tipo de perturbação, pois o sofrimento causado pelo trauma pode rapidamente desencadear um quadro de depressão, além dos efeitos que se podem fazer sentir do ponto de vista pessoal, profissional e interpessoal.

STRESS PÓS-TRAUMÁTICO: SINTOMAS FÍSICOS E EMOCIONAIS

Stress pós-traumático: mulher a olhar pela janela

A perturbação de stress pós-traumático pode desenvolver-se em resposta a um evento traumático, mas, por norma, o evento por si só não é razão suficiente para despoletar a perturbação.

Sabe-se que há uma maior probabilidade de se desenvolver em pessoas que já experienciaram outros traumas no passado ou cujas famílias já têm predisposição para a ansiedade e depressão (2).

Aliás, esta é uma das razões que torna tão difícil identificar um quadro de stress pós-traumático. Porém, é importante saber reconhecer os sintomas para procurar a ajuda necessária antes que os danos emocionais (e físicos) sejam substanciais.

1. Reviver o evento traumático

O evento traumático é constantemente experienciado através de:

  • Memórias angustiantes ou através de sonhos em que o conteúdo se relaciona com a situação traumática
  • Flashbacks, ou seja, o acontecimento é revivido e o indivíduo comporta-se como se estive a experienciar a situação nesse momento que podem durar desde alguns segundos a várias horas ou mesmo dias

2. Hipervigilância

Os indivíduos que sofrem com stress pós-traumático são mais reativos aos estímulos inesperados, reagindo de forma sobressaltada ou exagerada a ruídos altos ou movimentos inesperados (por ex., ficar sobressaltado com o toque do telefone).

3. Angústia e ansiedade

Pela natureza da doença e pelas causas que a despoletam, estas pessoas estão em constante estado de angústia e ansiedade.

4. Dificuldades de relacionamento

Pessoas que sofrem com a perturbação têm tendência para o isolamento social, razão pela qual têm dificuldades em manter relacionamentos. Aliás, a perturbação pode fazer com que a opinião sobre si e sobre os outros seja muito negativa (por ex.: “eu sou mau”; “não se pode confiar em ninguém”).

5. Dificuldades de concentração

Em muitos casos, as pessoas que sofrem com stress pós-traumático têm dificuldade em recordar-se de acontecimentos diários (por ex., esquecer-se do número de telefone ou alguma tarefa a fazer) ou em estar concentrado numa tarefa.

6. Perturbação do sono

As perturbações de sono – dificuldades em adormecer, insónias, pesadelos, sono agitado – são outros dos sintomas do stress pós-traumático.

7. Sinais físicos da doença

Do ponto de vista físico são muito comuns os problemas gastrointestinais e as dores de cabeça, apesar de a doença debilitar fisicamente os indivíduos a vários níveis.

Stress pós-traumático: Sintomas nas crianças

Apesar de a perturbação não ser muito comum em crianças, estas podem reagir a um trauma encenando a experiência traumática por meio de (3, 4, 5):

  • Brincadeiras repetitivas relacionadas ao trauma
  • Pesadelos
  • Pensamentos involuntários relacionados com a situação traumática.
  • Problemas de comportamento (agressividades física ou verbal, birras recorrentes e levadas ao extremo)
  • Dificuldades no sono (por ex., dificuldade em adormecer ou manter o sono ou este ser agitado).
  • Hipervigilância
  • Regressões no desenvolvimento ao nível da linguagem.

Fatores de risco para stress pós-traumático

Stress pós-traumático: homem sentado no sofá a pensar

Alguns fatores que podem predispor o indivíduo a desenvolver stress pós-traumático e/ou agravar o quadro clínico são (3):

Problemas emocionais durante a infância e mentais (por ex., problemas de ansiedade, perturbação depressiva ou de pânico, entre outras)

  • Baixa escolaridade
  • Exposição prévia a traumas
  • Disfuncionalidade familiar
  • Mortes/ separação pais
  • Perdas que ocorrem relacionadas com o trauma (por ex., financeiras)

Tratamento

Os tratamentos mais eficazes e recomendados pelo Nacional Institute for Health and Care Excellence (NICE) são a terapia cognitivo-comportamental (TCC) focada no trauma, dessensibilização e reprocessamento dos movimentos oculares (EMDR) ou TCC computadorizada focada no trauma (4, 6).

Por vezes, a adesão ao tratamento por parte dos indivíduos pode não ser fácil. Quando são deparadas estas barreiras há um trabalho a ser feito que passa pela tranquilização dos indivíduos com possibilidade de estar a passar por stress pós-traumático de que a condição é tratável fornecendo informações acerca do tratamento. O objetivo será promover uma melhor adesão à terapia.

Os tratamentos farmacológicos não são recomendados como tratamento de primeira linha para a perturbação. É importante ressaltar que as benzodiazepinas são contra indicadas na Perturbação de Stress Pós-Traumático e não devem ser usadas ​​para prevenção ou tratamento. Contudo, os inibidores seletivos de recaptação de seretonina (SSRI) ou a venlafaxina pode ser considerada apenas quando um adulto, já diagnosticado, tiver preferência pelo tratamento farmacológico. O tratamento antipsicótico também deve ser considerado apenas como último recurso no contexto de sintomas e comportamentos incapacitantes e deve ser prescrito apenas após consulta com um especialista (4, 6).

As diretrizes do NICE recomendam também que, para as pessoas que apresentam stress pós-traumático e depressão, normalmente seja tratado primeiro o stress pós-traumático porque a depressão geralmente melhora com o sucesso do tratamento.

A depressão só deve ser tratada primeiro se for grave o suficiente para dificultar o tratamento psicológico da perturbação ou se houver risco de danos a si próprio ou a outros (4, 6).

Fontes

  1. Sherin J., Miller L. e Charles B. (2011). Post-traumatic stress disorder: the neurobiological impact of psychological trauma. Department of Psychiatry and Behavioral Sciences, University of Miami. Pubmed. 13(3): 263–278. Acedido em 27 de fevereiro de 2020. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3182008/
  2. Silva L. (2013). Meta-analysis of neuropsychological impairments related to Post-Traumatic Stress Disorder. (Dissertação apresentada no Instituto Superior de Ciências da Saúde – Norte (CESPU)). Disponível em: https://repositorio.cespu.pt/bitstream/handle/20.500.11816/289/Tese%20de%20Mestrado_Liliana%20Cristina%20Oliveira%20da%20Silva.pdf?sequence=1&isAllowed=y
  3. American Psychiatric Association (2014). DSM-5: Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (5.ª ed.). Porto Alegre: Artmed.
  4. National Institute for Health and Care Excellence (2018). Post-traumatic stress disorder. Acedido a 29 de fevereiro de 2020, no Web site da NICE, National Institute for Health and Care Excellence https://www.nice.org.uk/guidance/ng116/chapter/Recommendations#recognition-of-post-traumatic-stress-disorder  
  5. Righy et al. (2019). Prevalence of post-traumatic stress disorder symptoms in adult critical care survivors: a systematic review and meta-analysis. Critical Care. Acedido a 1 de março de 2020. Disponível em: https://ccforum.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13054-019-2489-3
  6. Viggars O., Mavranezouli I., Greenberg N., Hajioff, S., Leach J. (2019). Post traumatic stress disorder: what does NICE guidance mean for primary care? British Journal of General Practice. Acedido a 26 de fevereiro de 2020. Disponível em: https://bjgp.org/content/69/684/328.abstract
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