Nutricionista Hugo Canelas
Nutricionista Hugo Canelas
16 Mar, 2023 - 18:37

O peixe é mais saudável do que a carne?

Nutricionista Hugo Canelas

Existe a crença popular de que o peixe é mais saudável do que a carne, mas haverá fundamento científico para tal afirmação?

Peixe mais saudável do que a carne

A crença popular de que o peixe é mais saudável do que a carne – pelo menos as vermelhas e as processadas – é cada vez mais corroborado pela ciência e os números não mentem. A ingestão de peixe está definitivamente associada a uma redução do risco de muitas doenças, bem como do risco de mortalidade por todas as causas, ao contrário da ingestão de carnes vermelhas e processadas.

Como consumidores, é normal termos uma vaga ideia do valor nutricional das diferentes fontes proteicas – vendo o peixe como mais benéfico para a saúde do que a carne, por exemplo. Mas será isso verdade? A resposta a esta questão pode ser complicada, uma vez que todas as fontes de proteína animal – pescado, carnes vermelhas, aves – apresentam prós e contras, mas, ainda assim, os números não mentem.

Qualidade nutricional do peixe

Posta de salmão temperada em cima de mesa da cozinha

Na sua generalidade, o peixe é um dos melhores alimentos que temos à nossa disposição.

A sua riqueza em muitos nutrientes importantes para várias funções biológicas – como proteínas de alto valor biológico, iodo e outros minerais, vitaminas e ácidos gordos essenciais ómega-3 – fazem deste um alimento com atividade anti-inflamatória, antioxidante e fluidificante da membrana celular, fatores amplamente associados à diminuição do risco de doença cardiovascular.

A percentagem de gorduras nos peixes dita o seu teor em ácidos gordos essenciais, podendo ser estratificados da seguinte forma:

  • Baixo teor de gordura: menor que 2%
  • Médio teor de gordura: entre 2 e 5%
  • Alto teor de gordura: superior a 5%

Por cada 100 g de diferentes peixes em cru podemos obter:

 Calorias (kcal)Proteínas (g)Gorduras (g)
Pescada8317,61,4
Pargo mulato8018,50,7
Dourada16719,79,8
Carapau10519,72,9
Sardinha meia gorda15818,99,1
Sardinha gorda22118,416,4
Bacalhau7617,80,5
Robalo14518,57,9
Salmão26216,221,9
Atum14024,14,9

Relativamente ao teor de ómega-3 no peixe, por 100 g de alimento cru podemos obter (2):

 Gordura totalEPA (g)DHA (g)Ómega-3
Sardinha121,051,293,12
Salmão8,30,250,731,28
Bacalhau0,50,080,230,32
Pescada0,70,080,220,3
Legenda: EPA: ácido eicosapentanóico; DHA: ácido docosahexanóico.

O peixe é mais saudável do que a carne?

Posta de carne a assar na grelha

A resposta a esta pergunta envolve a análise do impacto do consumo de peixe e carnes vermelhas/processadas não só na mortalidade por todas as causas, mas também no risco de desenvolver determinadas doenças crónicas.

Impacto na mortalidade por todas as causas

Efetivamente, de acordo com os resultados de alguns estudos recentes, o consumo de peixe está associado à redução do risco de mortalidade por todas as causas em cerca de 16% (3).

Segundo os resultados de uma revisão sistemática e meta-análise de mais de 100 estudos prospetivos, o consumo de quantidades crescentes de peixe está significativamente associado à redução do risco de mortalidade por todas as causas, mas apenas para doses diárias superiores ou iguais a 200 g.

Os resultados fazem todo o sentido, uma vez que está descrito que o consumo de ómega-3 marinho está associado a uma redução do risco de morte prematura em cerca de 17%. No entanto, o consumo de peixe não deixa de ter riscos associados, uma vez que a presença inevitável de contaminantes ambientais deve ser tida em consideração.

No mesmo estudo foi analisado o impacto do consumo de carnes vermelhas e carnes processadas na mortalidade, tendo-se verificado um aumento do risco em cerca de 35 % por cada 170 g e 60 g consumidos por dia, respetivamente.

Os efeitos contrários na saúde estão associados a compostos pró-inflamatórios, pró-oxidativos e carcinogénicos presentes ou que se formam durante a preparação das carnes vermelhas e das carnes processadas.

Impacto no risco de cancro colorretal

Se analisarmos o impacto do consumo de peixe no risco de cancro colorretal, verificamos que não existe associação estatisticamente significativa, ou seja, o seu consumo não está associado nem ao aumento nem à diminuição do risco desta doença.

Por outro lado, se analisarmos o impacto do consumo de carnes vermelhas e carnes processadas no risco de cancro colorretal, verificamos um aumento do risco em cerca de 20% a partir de quantidades correspondentes a 150 g e 60 g, por dia, respetivamente.

Estes resultados podem ser explicados por uma série de fatores. Em primeiro lugar, as carnes vermelhas e processadas são ricas em ferro hémico e múltiplos agentes cancerígenos, cujas quantidades dependem do grau de processamento e da forma de confeção dos alimentos, como os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, compostos N-nitroso e aminas heterocíclicas.

Médica a verificar níveis de açúcar no sangue de paciente

Impacto no risco de diabetes tipo 2

De forma semelhante ao risco de cancro colorretal, não parece haver associação entre o risco de diabetes tipo 2 e o consumo de peixe.

Quanto ao consumo de carnes vermelhas e processadas, o risco parece aumentar significativamente, correspondendo a 37% e 43% por cada 170 g e 140 g consumidos diária e respetivamente.

Impacto no risco doença das coronárias, AVC e falência cardíaca

Foi descrito que o risco de doenças das coronárias reduz até 15% com o consumo de pelo menos 250 g de peixe por dia. Da mesma forma, os riscos de AVC e falência cardíaca diminuem aproximadamente 10 e 20% com o consumo de pelo menos 80 a 100 g de peixe por dia, respetivamente.

Esta associação é biologicamente plausível e justificada pelos efeitos dos ácidos gordos essenciais ómega-3, presentes nos peixes – particularmente os gordos –, aos quais são atribuídos efeitos anti-ateroscleróticos e anti-trombóticos.

Já em relação às carnes vermelhas, foram descritos aumentos dos riscos de doenças das coronárias, AVC e falência cardíaca, correspondentes a 10 – 20% acima dos 100 g de alimento ingerido por dia.

No que diz respeito a carnes processadas, o risco de AVC aumentou cerca de 15% e o de falência cardíaca cerca de 25% quando a ingestão era igual ou superior a 70 g deste tipo de produtos.

Estes resultados podem ser explicados, mais uma vez, pela presença de compostos pro-inflamatórios e pró-oxidativos nas carnes vermelhas e processadas, como nitrosaminas, ferro hémico e gorduras saturadas.

Embolia cerebral: o princípio do AVC

Impacto no risco de obesidade abdominal

Embora não tenham sido detetadas associações estatisticamente significativas entre o consumo de peixe e o risco de excesso de peso ou obesidade, foi detetada uma redução no risco de obesidade abdominal – definida como perímetro abdominal acima dos valores de referência – em cerca de 19%, associada ao consumo de pelo menos 100 g de peixe por dia.

Da mesma forma, as carnes vermelhas estão associadas a um risco acrescido de obesidade abdominal, mais concretamente de 18%, quando o consumo é superior a 170 g por dia.

Impacto no risco de depressão

A ingestão de peixe pode estar associada a um menor risco de depressão. Um estudo determinou que o risco de depressão era 11% inferior em pessoas que consomem mais peixe. Estes resultados podem estar associados ao consumo de ómega-3.

Quando falamos em carnes vermelhas e processadas, os resultados não podiam ser mais opostos. Um estudo determinou que o risco de depressão aumenta de forma ligeira mas importante, situando-se nos 8%.

Mais uma vez, a presença de compostos que promovem ambientes inflamatórios e oxidativos, como ferro hémico, compostos N-nitroso, gorduras saturadas bem como hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e aminas heterocíclicas, formadas durante a preparação das carnes, podem justificar explicar estes resultados.

Impacto no risco de asma em crianças

Uma meta-análise sugere que a introdução de peixe entre os 6 e os 9 meses de idade, em conjunto com o seu consumo regular (pelo menos 1 vez por semana) está associada à redução do risco e da prevalência de asma e dos seus sintomas (sibilos) em 25 e 38% respetivamente em crianças até 5 anos de idade.

Por outro lado, o consumo preferencial de peixe gordo confere um efeito “profilático” nas crianças mais velhas (8-14 anos) e reduziu a prevalência de asma.

Quanto ao consumo de carne, não parece haver efeito no risco ou prevalência da asma.

Os números parecem comprovar a crença popular de que o peixe é mais saudável do que a carne, seja pelos compostos com efeitos antioxidantes e anti-inflamatórios que estes alimentos apresentam, seja pela não formação de compostos cancerígenos durante a sua preparação, característica que marca as carnes.

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