Nutricionista Hugo Canelas
Nutricionista Hugo Canelas
09 Jul, 2020 - 09:45

Chás para a vesícula: supostos benefícios e funções da bílis

Nutricionista Hugo Canelas

Vários chás são apontados como benéficos para a vesícula. No entanto, não existem chás para a vesícula com benefícios e nós explicamos porquê.

Chás para a vesícula

A vesícula biliar é um pequeno orgão que se localiza na face anterior do fígado. A sua principal função é a de armazenamento de bílis, produzida pelo fígado.

Sendo um órgão afetado largamente pela qualidade da alimentação, não é de estranhar que haja vários relatos de chás para a vesícula, cujas funções incluem principalmente a ajuda na produção de bílis.

Mas serão os chás para a vesícula realmente eficazes em humanos? O que diz a evidência científica?

chás para a vesícula: supostos benefícios à luz da ciência

1.

Chá de boldo é benéfico para a vesícula?

Chá de boldo: benefícios e precauções da sua toma

O Boldo (Peumus boldus Molina), é uma arvore endémica do Chile, cujas propriedades medicinais são bastante exploradas. Entre os seus usos tradicionais está a regulação da função hepática e biliar, a estimulação da função digestiva e o efeito sedativo (1).

Com efeito, foram descobertos vários textos farmagnósticos, farmacopneias e livros que listam aos usos terapêuticos do boldo enquanto agente colagogo (contrator da vesícula biliar) e colerético (ajuda na produção de bílis) e, portanto, uma das maiores propriedades que lhe é atribuída é o auxílio na função digestiva (2, 3).

No entanto, as indicações para o uso do boldo são tão extremamente abrangentes como cientificamente insustentadas, podendo esta planta apresentar sérios riscos para a saúde, especialmente por interação com certos medicamentos (4).

Na verdade, grande parte dos estudos que sustentam estas função são realizados em animais o que inviabiliza à partida a transposição de tais efeitos para humanos (5, 6, 7). Até à data, desconhecem-se ensaios clínicos de qualidade que sustentem as alegadas funções do boldo na saúde da vesícula.

2.

Chá cardo mariano é benéfico para a vesícula?

Chás para o Fígado: os seus aliados na desintoxicação

Os extratos de cardo mariano (Silybum marianum, Asteraceae) são amplamente reconhecidos como agentes terapêuticos para doenças do fígado e vesícula biliar (8).

Efetivamente, a silimarina é usada no tratamento da cirrose hepática e hepatite crónica com potenciais efeitos a nível da redução do colesterol e açúcar no sangue e no tratamento de alguns tipos de cancro (9).

Quanto à vesícula biliar, e até à data, nenhum estudo foi conduzido de forma a confirmar o efeito da silimarina na vesícula, pelo que não é possível confirmar este efeito na saúde humana.

3.

Chá de alcachofra é benéfico para a vesícula?

Alcachofras

A alcachofra (Cynara scolymus) é uma das plantas mais usadas na medicina tradicional. Os efeitos farmacológicos e terapêuticos descritos nas doenças hepáticas remontam ao século XVII e, efetivamente, estudos mais recentes confirmam algumas propriedades estimulantes no fígado e vesícula.

Em teoria, a alcachofra tem um papel direto na regulação do fluxo da bílis, diminuindo ou aumentando conforme a necessidade.

Alguns estudos foram realizados no sentido de comprovar este efeito em humanos mas as amostras utilizadas foram todas extremamente pequenas e, na verdade, o que foi avaliado foi a ingestão de um suplemento de alcachofra em quantidades variadas – 395 a 1920 mg/dia –  pelo que é impossível confirmar o efeito do chá de alcachofra na saúde humana (1011).

Outros chás para a vesícula

Outros compostos são apontados como protetores da saúde da vesícula como o dente-de-leão, chicória, hipericão, bardana e borututu, mas após pesquisa nas bases de dados científicas, não foram encontrados trabalhos de interesse que refiram efeito terapêutico de tais plantas no problema em estudo.

as Principais funções da bílis

Médico a mostrar maquete de vesícula a paciente

Como já referido, a principal função da vesícula é o armazenamento da bílis produzida pelo fígado. Esta secreção é maioritariamente composta por sais biliares, eletrólitos, pigmentos biliares, como a bilirrubina, colesterol e outras gorduras. Antes de uma refeição, a vesícula biliar encontra-se cheia e distendida, assemelhando-se a uma pera.

Em resposta a sinais hormonais e nutricionais, a vesícula biliar contrai e liberta o seu conteúdo no intestino através de uma série de canais designados ductos. Embora a bílis participe na digestão das gorduras, a vesícula não é um órgão essencial para a sobrevivência.

No entanto, a remoção cirúrgica da vesícula – designada de colecistectomia – pode resultar em diarreia e malabsorção de nutrientes, especialmente se a dieta for rica em gordura.

PRINCIPAIS DOENÇAS DA VESÍCULA

Ilustração da vesícula no organismo humano

As doenças da vesícula biliar afetam milhões de pessoas em todo o mundo e estão associadas a sintomas como indigestão e dor abdominal, podendo inclusive estar na origem de outras doenças mais graves como pancreatite aguda e sepsis.

As duas doenças mais comuns são a colestase (diminuição da secreção de bílis pela vesícula) e a colelitíase (pedra na vesícula).

A colestase é mais comum em doentes internados sem suporte nutricional oral ou entérico por longos períodos de tempo.

A colelitíase consiste na formação de cálculos no órgão, que caso se alojem nos ductos biliares, impedem o normal fluxo da bílis durante o processo digestivo.

Para além da dor causada pela eventual inflamação da vesícula (colecistite), a absorção das gorduras a nível intestinal é prejudicada e, sem os pigmentos da bilis, as fezes ficam com uma coloração clara.

Muitos dos cálculos biliares são de colesterol não pigmentados, compostos primariamente de colesterol, bilirrubina e sais de cálcio. As bactérias também desempenham um papel na formação de cálculos biliares.

As infeções crónicas de baixo grau produzem alterações na mucosa da vesícula biliar, as quais afetam sua capacidade de absorção. O excesso de água ou ácido biliar pode ser absorvido como resultado. O colesterol pode então se precipitar e causar a formação de cálculos biliares.

A elevada ingestão de gorduras, de forma crónica, é um fator de risco para o aparecimento de cálculos biliares devido ao constante estímulo para a produção de bílis.

Outro fator que precipita o surgimento de pedras na vesícula é a rápida perda de peso corporal, como o que acontece após as cirurgias bariátricas, devido à pobre estimulação da contração do órgão associada a uma ingestão alimentar mais baixa.

Fontes

  1. Fernández J, Lagos P, Rivera P, Zamorano-Ponce E. (2009). Effect of boldo (Peumus boldus Molina) infusion on lipoperoxidation induced by cisplatin in mice liver. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19145575/
  2. O’Brien, P., Carrasco-Pozo, C., & Speisky, H. (2006). Boldine and its antioxidant or health-promoting properties. Disponível em:https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16221469
  3. Committee on Herbal Medicinal Products (HMPC). (2016). Assessment report on Peumus boldus Molina, folium. Disponível em: https://www.ema.europa.eu/en/documents/herbal-report/final-assessment-report-peumus-boldus-molina-folium_en.pdf
  4. Speisky H, Cassels BK. (1994). Boldo and boldine: an emerging case of natural drug development. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8202440
  5. Lanhers MC, Joyeux M, Soulimani R, et al. (1991). Hepatoprotective and anti-inflammatory effects of a traditional medicinal plant of Chile, Peumus boldus. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1891491
  6. Cermanova J, Kadova Z, Zagorova M, et al. (2015). Boldine enhances bile production in rats via osmotic and farnesoid X receptor dependent mechanisms. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25771127
  7. Zagorova M, Prasnicka A, Kadova Z, et al. (2015). Boldine attenuates cholestasis associated with nonalcoholic fatty liver disease in hereditary hypertriglyceridemic rats fed by high-sucrose diet. Disponível em: Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26681076
  8. Csupor D, Csorba A, Hohmann J. (2016). Recent advances in the analysis of flavonolignans of Silybum marianum. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27321822/
  9. National Toxicology Program. (2011). Toxicology and carcinogenesis studies of milk thistle extract (CAS No. 84604-20-6) in F344/N rats and B6C3F1 mice (Feed Studies). Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21685957/
  10. Rondanelli M, Monteferrario F, Perna S, Faliva MA, Opizzi A. (2013). Health-promoting properties of artichoke in preventing cardiovascular disease by its lipidic and glycemic-reducing action. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23923586/
  11. Ben Salem M, Affes H, Ksouda K, et al. (2015). Pharmacological Studies of Artichoke Leaf Extract and Their Health Benefits. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26310198/

Veja também

Artigos Relacionados