Isabel Coimbra
Isabel Coimbra
14 Mai, 2019 - 19:01

A importância da nutrição no desporto: mitos e verdades que deve conhecer

Isabel Coimbra

A nutrição no desporto surge como forma de “otimizar a adaptação e minimizar o risco de lesões”. Quem o diz é Vitor Hugo Teixeira, professor da FCNAUP.

A importância da nutrição no desporto: mitos e verdades que deve conhecer

Os praticantes de desporto, de todos os níveis, aspiram chegar cada vez mais longe e a alimentação torna-se fundamental para o conseguirem.

Sabe-se que a alimentação saudável e o exercício físico são os principais determinantes da nossa saúde, atuando diretamente na prevenção de patologias responsáveis pela maior percentagem de mortes no nosso país. Mas qual é a real importância da nutrição no desporto?

Vítor Hugo Teixeira, professor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto  vê a nutrição no desporto como uma forma de “otimizar a adaptação e minimizar o risco de lesões” e acredita que, nesta área, é preciso trabalhar com “nutrimentos”, uma mistura de nutrientes e sentimentos.

Em entrevista ao Vida Ativa, explica qual a importância da nutrição, derrubou alguns mitos e alertou para os cuidados a ter na alimentação no desporto.

A importância da nutrição no desporto

correr ao ar livre

Vítor Hugo Teixeira explica que, atualmente, o paradigma está a mudar. Enquanto que na nutrição clássica, o objetivo da alimentação seria de ajudar a recuperar e a preparar o organismo para a competição, agora, o propósito é diferente. Hoje em dia, a alimentação no desporto está pensada para otimizar o efeito do treino, potenciando os seus resultados.

Assim, com uma alimentação adequada ao tipo de desporto praticado e ao número de calorias consumidas em cada treino, é possível otimizar a composição corporal, diminuir os riscos de lesão e diminuir o risco de fadiga precoce.

O nutricionista alerta que, quando se fala de alimentação no desporto, há uma diferença clara que importa esclarecer: atleta de recriação e atleta de competição. Ainda que ambos precisem de ter cuidados com a alimentação, as necessidades nutricionais de um atleta que passa várias horas por dia a treinar e de outro que faz exercício três vezes por semana é bastante diferente.

Cuidados de um atleta de recriação

É importante que cada atleta tenha uma alimentação adequada às suas necessidades nutricionais. Por exemplo, “Um atleta de recriação não precisa de ter uma alimentação extraordinária, basta fazer uma alimentação saudável”, esclarece o nutricionista Vítor Hugo Teixeira. Assim, alguém que pratique exercício de forma regular, porém, não intensivo, precisa apenas de ter uma alimentação equilibrada e variada.

Isto é, um aporte energético adequado para o gasto, a energia total diária bem distribuída pelas proteínas, pelos hidratos de carbono e pela gordura, assim como, privilegiar o consumo de vitaminas e minerais a partir dos alimentos, ou seja, as hortículas e as frutas.

Além disso, caso o objetivo não seja a perda de peso, será necessário aumentar a quantidade de calorias ingeridas em função da energia gasta. Por exemplo, se durante a prática de exercício físico gastar 300 calorias, deve aumentar o aporte calórico nessa proporção.

Cuidados de um atleta de competição

Um atleta de alta competição deve seguir os mesmos princípios referidos no ponto anterior, porém, exige outro tipo de cuidados nutricionais para garantir um desempenho sempre ao mais alto nível.

Ao contrário de um atleta de recriação, um desportista profissional treina todos os dias, mais do que uma vez por dia e um largo número de horas e, por isso, tem perdas hídricas muito elevadas. Assim sendo, o aporte hídrico necessário será superior ao de um atleta de recriação.

Vítor Hugo Teixeira alerta: “quem perde muito suor, perde também muitos eletrólitos, particularmente dois: sódio e cloro, ou seja, tem perdas de sal muito superiores às de uma pessoa sedentária, por conseguinte, poderá ter recomendações para aumentar o aporte de sal”.

Isto, partindo do princípio que fará uma alimentação saudável, porque “se fizer uma alimentação portuguesa típica, isto é, com excesso de sal, já não precisa aumentar nada”, esclarece o nutricionista.

Ao contrário de um atleta de recriação, um atleta de elite, em alguns momentos, precisa de açúcar simples durante a prática de exercício (se este for longa), na recuperação ou, então, quando a quantidade de hidratos de carbono consumida durante o dia é tão grande que é muito difícil alcançar os resultados só com alimentos sem açúcar.

Como pode a nutrição auxiliar na prática do exercício?

No documento lançado pelo Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável com o tema “Nutrição no Desporto”, de que Vítor Hugo Teixeira é co-autor, fala-se sobre a influência da alimentação no rendimento desportivo. Para os autores, são oito os principais objetivos da Nutrição Desportiva:

  • Alcançar as necessidades energéticas e os nutrientes para suportar os treinos e as competições;
  • Atingir e manter a massa corporal, gorda e muscular adequada à modalidade;
  • Fornecer todos os nutrientes necessários para assegurar os processos de adaptação induzidos pelo treino e a recuperação entre sessões de treino/competição;
  • Consumir a quantidade de energia e hidratação necessária durante os treinos e competições para garantir os melhores resultados;
  • Satisfazer as necessidades de nutrientes para garantir uma saúde ótima;
  • Reduzir o risco de doença e de lesão;
  • Tomar decisões conscientes acerca do uso de suplementos nutricionais e alimentos específicos para desportistas, cuja ação tenha sido cientificamente comprovada em termos de melhoria do rendimento desportivo e/ou para atingir as necessidades nutricionais específicas;
  • Em desportos por categorias de peso, conseguir o peso preservando o rendimento e a saúde do atleta.

Desmistificando a proteína

fontes de proteina salmao frango

“A proteína tem um bom marketer”, começa por dizer Vítor Hugo Teixeira, lembrando que, hoje em dia, os praticantes de desporto estão muito preocupados com a ingestão proteica. Ainda que concorde com a importância do consumo da proteína, alerta que, “mais importante do que quantidade total de proteína ingerida durante o dia, é distribuir muito bem essa proteína em quatro ou cinco refeições.”

Ingestão Proteica: que quantidade?

A ingestão de proteína de uma pessoa sedentária deve rondar os 0,8 g por quilo de peso/dia e para um atleta ronda os 1 a 2 g por quilo de peso/dia. O nutricionista frisa que estes valores são facilmente atingidos pela maioria da população e alerta que, quanto à proteína, o erro não é na quantidade de proteína ingerida mas na sua distribuição ao longo do dia.

Vítor Hugo Teixeira sublinha, sim, que é necessário reduzir a ingestão de proteína ao almoço e ao jantar e fazer uma melhor distribuição dessa quantidade pelas restantes refeições para uma boa otimização e recuperação do treino. 

Janela de ingestão proteica: verdade ou mito?

A ingestão proteica deve ser feita logo após o exercício? O nutricionista responde que “não há problema nenhum que seja feita após, mas não há essa necessidade. De cada vez que ingerimos proteína, esta tem um efeito no nosso organismo que aproximadamente três horas”.

Sendo assim, se a ingestão proteica for feita de forma equilibrada e faseada ao longo do dia, “vai acabar por apanhar o exercício lá pelo meio” e o atleta não precisa de preocupar com a ingestão proteica logo após o exercício.

Suplementos proteicos: vantagens e desvantagens

“A grande vantagem dos suplementos proteicos é serem uma forma conveniente de atingir as quantidades de proteína desejáveis nas refeições que não as principais”, frisa o nutricionista. A meio da tarde, quando está no trabalho, tomar um suplemento proteico pode ser prático e, assim, ajuda a tomar a quantidade diária de proteína ao longo do dia.

Além disso, para quem pretende reduzir a massa gorda, “também pode ser vantajoso ingerir algo que tem proteína e nada mais do que a proteína”, ou seja, os suplementos proteicos também permitem isolar a ingestão num único nutrimento e, assim, facilitar o controlo das calorias e, consequentemente, a perda de peso.

Por outro lado, se o objetivo for a hipertrofia muscular, ter fontes proteicas clássicas é uma boa forma de conseguir aumentar a massa muscular.

Sendo verdade que a proteína de soro pode apresentar uma ligeira vantagem relativamente a outros tipos de proteína há outras questão que importa considerar. “Será que essa ligeira vantagem não é pequena no contexto de tudo aquilo que afeta o ganho de massa muscular?

Isto é, alguém que vai para o ginásio mas não treina da forma correta, vai compensar essa falha no treino com um pequena vantagem que a proteína de soro possa ter em relação às outras?”, questiona Vítor Hugo Teixeira.

Os riscos de uma dieta hiperproteica

A ingestão até 2,5 gramas por quilo de peso/dia são seguras, com a exceção de quem tem litíase renal  (pedra nos rins) ou quem corre o risco de a ter. Para Vítor Hugo Teixeira, importa  ainda esclarecer que uma ingestão proteica elevada não vai causar insuficiência renal.

Esta pode ser agravada se já existir mas não será a causa, tampouco diminui a massa óssea nem deverá aumentar o risco de cancro ou de doenças cardiovasculares

A importância de não excluir os hidratos de carbono


O nutricionista lembra que, quando se trata de alimentação no desporto, o primeiro cuidado nutricional a ter é simples: comer mais para repor a energia perdida com o exercício. E ressalva que, sim, é importante comer mais proteína mas, também, mais hidratos de carbono e mais gordura. 

Vítor Hugo Teixeira lamenta que, ao contrário da proteína e no sentido oposto da evidência cientifíca, hoje em dia, “os hidratos de carbono têm o pior assessor de imprensa do mundo”. E esclarece: a questão não se prende com o consumo de hidratos de carbono mas com tipo de hidratos de carbono consumidos, que devem ter pouco açúcar e pouca gordura. 

De resto, os hidratos de carbono são o nosso combustível: se nos mexemos, precisamos de mais combustível, logo, são tão necessários quanto os restantes grupos alimentares, na proporção determinada pela Roda dos Alimentos.

O que comer antes e depois do treino?

Para terminar, Vítor Hugo Teixeira partilhou com o Vida Ativa algumas dicas gerais sobre a alimentação antes e depois do treino, começando por referir que “o que um atleta vai consumir antes do treino, depende muito dos seus objetivos”. 

Assim, de uma forma geral, refere que a ingestão de alimentos fornecedores de proteína antes e depois do exercício é vantajoso. O queijo fresco antes da atividade física e leite depois do treino são alguns exemplos.

Ainda antes do treino, deve privilegiar hidratos de carbono de baixo índice glicémico e lenta absorção, como por exemplo, aveia, maçã ou pera, porque permitem que queime gordura mais rápido. É um erro pensar na ingestão de hidratos de carbono simples aquando do objetivo de queima de gordura visto que vão bloquear este mecanismo.

Para depois do treino, o ideal é preferir alimentos de elevado índice glicémico como, por exemplo, a banana.

Congresso de Nutrição e Alimentação

o valor da nutricao congresso apn

Nos próximos dias 16 e 17 de maio, a partir das 08h30, no Centro de Congressos da Alfândega, no Porto, decorre o XVIII Congresso de Nutrição e Alimentação da Associação Portuguesa de Nutrição, subordinado ao tema “O Valor da Nutrição”.

A edição deste ano tem como objetivo promover a reflexão sobre o valor da nutrição nas suas várias vertentes e capacitar os profissionais da área para a perceção sobre esse mesmo valor em diferentes setores. Como tal, entre conferências, palestras, mesas redondas e comunicações, estes serão os principais eixos de abordagem do tema central:

1. Economia e Nutrição:

  • Nutrição e desenvolvimento e crescimento económico;
  • Conceito de valor e o que subentende a definição de valor e como aplicar à nutrição;
  • A visão do economista sobre a nutrição em termos de criação e medição de valor;
  • Os estudos sobre o assunto e paradigmas/matrizes de abordagem ao tema;
  • Nutrição e PIB;
  • Nutrição e o Índice de Bem-Estar;

2. Nutrição e Geração de Valor:

  • O desafio e a relevância de determinar e perceber o valor gerado pela nutrição/ciência e prática da nutrição;
  • A medição de impacto e a definição de valor: que indicadores medir para definir valor;
  • Casos práticos valor social e/ou económico;
  • Avaliar impacto e definir o valor da nutrição ao nível da prevenção em saúde;
  • Reduzir custos nos cuidados de saúde recorrendo à nutrição.

3. Nutrição e o valor para as comunidades:

O valor social e/ou económico da nutrição para diferentes comunidades/populações, tais como escolas, lares, hospitais, empresas no ramo alimentar e restauração, empresas em setores que não o alimentar/restauração, autarquias, bairros, grupos específicos.

São esperados cerca de 1650 participantes, entre nutricionistas, dietistas, investigadores, médicos, engenheiros alimentares, enfermeiros, marketeers, estudantes e outros profissionais das áreas da saúde e agroalimentar.

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